Crónicas

De boas intenções está o inferno cheio

1. Disco: Começou como uma aventura no YouTube. Bem pensada e melhor executada. Lana Del Rey já vai para o seu nono trabalho. É obra. “Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd” continua o caminho consistente de uma carreira bem urdida. Ouçam-no. Vale mesmo a pena.

2. Livro: procuro ler tudo o que consigo arranjar de Timothy Snyder, sejam artigos, sejam livros. Mão amiga fez-me chegar “Sobre a Tirania: Vinte Lições do Século XX para o Presente”. Um dos melhores que tive a oportunidade de ler nos últimos tempos. Alerta, procurando que criemos mecanismos de fiscalização cidadã à democracia e aos que a querem deturpar, quando não mesmo destruir.

3. O reformismo não se diz, pratica-se. No passado, o PSD Madeira, por intermédio dos seus governos e maiorias, foi reformista. Hoje é comodista. Não se mexe para nada, produz muito pouco, tornou-se preguiçoso, faz muito ‘marketing’ de marcas e de empresas. Tem, na Assembleia Regional, 21 deputados, a maioria dos quais nem se notam. Governa Câmaras e Freguesias. Põe e dispõe nesta Autonomia Socialista da Grande Laranja, com a muleta do CDS, e não pratica mais do que manter o regime que criou ligado às máquinas, bastante queixoso e, sempre que pode, a suplicar o sustento que não cria.

Ao fim de 48 anos vem aí mais do mesmo. Porque ainda que o partido que nos governa mude para o outro que sempre nos quis governar… é só usar o mesmo fato do avesso.

Vejamos: tanto em 2015 como em 2019, foram aprovados programas de governo na ALRAM. Programas esses que traçavam as linhas de actuação da governação, os caminhos a seguir, o que o futuro nos reservaria. Nem mostro mais nada, para além do que nesses documentos está escrito sobre as intenções relativamente à reforma do sistema político. Bem necessárias, por sinal.

Em 2015, o programa do governo do PSD, começava por dizer: “a reforma do Sistema Político (…) é uma das prioridades do atual governo. Nesta Reforma (…) daremos primazia à ação, contando, como diariamente temos demonstrado desde que se iniciou este ciclo político, com a participação de todos: cidadãos, partidos políticos, instituições e organismos representativos da sociedade civil.” Viu-se muito disto. O PSD Madeira, o tal partido da autonomia, a ser a charneira da reforma do sistema autonómico. Então era isso…

Mais adiante afirmavam ser “uma nova forma de fazer política, como também de estar na política.” Pois, pois…

O partido que foi, desde sempre, quem governou a Madeira no pós-25 de Abril, escreve com todo o desplante: “demos provas aos madeirenses e porto-santenses que a nossa atitude é diferente.” Só não se consegue saber do que são diferentes. De si próprios?

Esta afirmação é deliciosa: “para nós os interesses partidários nunca poderão estar acima dos interesses da Região.” E vai daí, toca a nomear apparatchiks do partido a torto e a direito, aumentando os gastos em ordenados e prebendas. Um governo onde não se percebe onde começa a sua área de intervenção e acaba o PSD. O Estado é o partido e o partido é o Estado. Não empurrem, há lugar para todos.

“O aprofundamento do regime das incompatibilidades e impedimentos e a criação de um registo público de interesses dos deputados na Assembleia Legislativa da Madeira”, eram outras das intenções. Quase oito anos depois é caso para perguntar: Quem? Onde? Quando? Como? E porquê? Ninguém, em lado nenhum, nunca, nada e porque não. São essas as repostas.

Havia também a limitação do número de mandatos do Cargo de Presidente do Governo, que não poderiam ser mais de três; a redução do número de Vice-Presidentes da Assembleia Legislativa da Madeira, que passariam de três para dois; e a revisão da lei eleitoral, assegurando uma melhor representatividade parlamentar e a redução do número de deputados. Ao fim de 7 anos e meio o que temos? Não há limite de mandatos para o Presidente do Governo, os Vice-presidentes da ALRAM continuam a ser três, a espúria lei eleitoral é a mesma e os deputados são os 47 de sempre.

Já em 2019, as coisas mudaram. Este capítulo tornou-se muito mais pequeno e as intenções diminutas. A revisão do sistema eleitoral mantinha-se, acrescentou-se-lhe a tão necessária revisão da Lei das Finanças Regionais, consagrou-se o avanço para um sistema fiscal próprio. E pouco mais. Nem isto fizeram.

Criaram uma tal de Comissão Eventual para o Aprofundamento da Autonomia e Reforma do Sistema Político, que está há mais de um ano e meio sem reunir. Não produziu mais nada, para além de uma proposta de revisão da Lei das Finanças Regionais, que ninguém sabe por onde anda, uma vez que já depois disso, os Presidentes dos Governos da Madeira e dos Açores acordaram, na Cimeira Insular, em apresentar uma proposta conjunta. Anunciaram a criação de um grupo de trabalho coordenado pelo fiscalista, Eduardo Paz Ferreira. Isto foi em Setembro do ano passado. Alguém me pode informar que outros nomes constituem este grupo? Quantas vezes já reuniu? Em que pé está o desenvolvimento da proposta conjunta Açores/Madeira para uma nova Lei das Finanças Regionais?

Se este grupo de trabalho for como a tal de Comissão Regional de Acompanhamento do PRR na Madeira, presidida por Duarte Pita Ferraz, estamos muito bem servidos.

Propositadamente deixei para o final o que considero mais importante: o Estatuto Político-Administrativo da Madeira. Estava consignado nos dois programas de governo e não mereceu um passo que fosse no sentido de ser revisto. Em 2015 podia ler-se a intenção do “reforço do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, consolidando a estabilidade legislativa e institucional necessária para a nossa Autonomia política.” Em 2019 evoluiu-se para um “aprofundar a Autonomia, concluindo [o que nem começaram] a revisão do Estatuto Político-Administrativo e propor a revisão da Constituição, reforçando as competências legislativas da Região e eliminando as atuais limitações da República.” Ou seja, um patuá que credita muito pouco, determina de menos e não quer dizer muito.

De boas intenções está o inferno cheio.

4. Um porto. Um porto por 35 mil euros por mês, em média. Reparem bem: 35.000€ a cada mês. É isto que um dos DDT paga pelo aluguer do porto do Caniçal. Trinta e cinco mil euros. Isto após terem estado, desde sempre, sem pagar nada. NADA. Para quem não percebeu significa: ZERO.

Rui Barreto, e o Governo Regional, só podem estar a gozar connosco. Citando o DN Madeira: “Este acordo de transação celebrado entre as partes garante (…) que os Portos da Madeira permaneçam abertos à candidatura de qualquer operador que se queira instalar, assegurando assim o livre acesso aos serviços portuários, nos termos da legislação comunitária”, disse o Sr. da Economia. O Sr. Secretário que vá ver se estou na esquina. Abertos a candidaturas de outros operadores? Só pode estar no gozo. Onde é que cabe outro operador, onde mal cabe um? Rui Barreto, e os defensores desta tontice, tomam-nos a todos por idiotas e querem meter o Largo do Colégio no Beco de São Sebastião.

5. Perguntava-me o Luís, um bom amigo de infância e juventude: “o que me garante, como eleitor, que o futuro eleito, não esteja somente a servir o seu “interesse”, e a garantir o seu “trabalho””.

Deixo aqui a minha resposta: nada!