Crónicas

Espelho meu, espelho meu...

A educação (ainda) está muito dirigida para a dimensão cognitiva, racional e ficamos a sofrer de uma iliteracia emocional e espiritual. Só quando ousamos acolher e transcender a nossa autoestima, somos exemplo de amor-próprio para as próximas gerações.

“Na era das selfies como posso amar de verdade? A mim e ao próximo?” Não sei se a pergunta ressoa. Por aqui, ela cresce de volume, proporcionalmente ao número de entrevistas que faço, de famílias que conheço, de professores com quem falo, dos alunos que me chegam, do meu próprio diálogo interno. É muito claro que, a maioria de nós, cresceu formatada para olhar para fora. Para amar às avessas. À espera de validação externa, sem saber que, afinal, tem voz e tem em si todos os recursos e potencial que precisa para navegar e criar a própria vida. Sem saber que é único, que não tem defeito e que tem, sim, valor e merece existir, independentemente dos seus resultados.

Vejo cada vez mais pessoas a utilizar técnicas que dão cabo da autoestima. Depois, olho para o espelho e lembro-me que também faço parte dessas pessoas. Acredito que as usamos inconscientemente, por iliteracia emocional, espiritual, por falta de ‘higiene mental’, por uma série de causas que pedem para vir à consciência. Porque nascemos para viver em sociedade e só sobrevimos em grupo.

Não chega dizer às crianças e aos adolescentes que “temos de nos amar primeiro a nós”! Quando se torna cliché, desgasta, é incoerente - ou não tivéssemos todos neurónios espelho. Portanto, é melhor, que, de uma vez por todas, a incorporemos e sejamos exemplo. Ah e não é egoísmo, é autoestima! Daniel Gilbert, professor de psicologia da Universidade de Harvard, lembra-nos que a autoestima é o sistema imunitário social e que é diferente de autoconfiança. O truque é tirar o prefixo e focar em “estima” e “confiança”. A autoestima está sempre connosco. A autoconfiança está de vez em quando. Está naquelas situações onde nos sentimos competentes e capazes. Se sentirmos falta de autoconfiança, uma autoestima saudável protege-nos e ajuda-nos a aceitar que independentemente da situação em causa, temos valor e merecemos todo o amor do mundo. Põe-nos em contato com o pior e o melhor de nós próprios, até com as partes que ainda não compreendemos e não aceitamos. É a rede quando encontramos desafios, julgamentos e obstáculos. É a relação mais importante que podemos ter: a relação connosco. Afinal, a forma como lidamos connosco dá o mote para todas as relações que criamos.

Ensinar amor-próprio às próximas gerações
Parte do meu interesse pela autoestima nasceu da fragilidade da minha autoestima. Ao ser mãe, percebi que receava os julgamentos alheios, que lidava mal com a possibilidade de ser avaliada, de não ser suficiente, que brotavam pensamentos e sentimentos sobre o que é que os outros podiam pensar. Esta consciência foi crescendo com o desenvolvimento das minhas filhas. Era claro que para as guiar numa autoestima saudável, tinha primeiro de praticar. Tem sido um processo, um descascar de camadas externas que me distanciavam de mim própria – é que a distância entre nós e o outro, é a distância a que estamos de nós mesmos. Ainda me falta caminho e está tudo bem. Não é sobre perfeição é sobre conexão. Ganhar esta consciência e vivência é essencial para que os nossos filhos possam olhar-se, profundamente, nos olhos, ao espelho e sentir paz. Para que vivam intencionalmente, conectados com o seu coração. Para que tratem o corpo, a mente e a energia com gentileza respeitando os seus limites. Para que reconheçam se determinada relação serve ou se está contaminada. Para que escolham, em liberdade, hábitos saudáveis que nutram a pessoa que são e não quem lhes disseram que deveriam ser.
Enquanto pais, professores e educadores, temos o dever moral de os guiar numa imagem positiva de si mesmos, com base num ambiente fértil em relações saudáveis, de suporte, encorajamento, plantando a semente de uma voz interior que os apoia. Só posso concordar com Peggy O’Mara: a forma como falamos com as nossas crianças torna-se a sua voz interior. A forma como as tratamos é a forma como se vão tratar.
Ainda estamos a tempo!