Morreu o verdadeiro artista

Morreu João Cutileiro, um encantador escultor que afinava o mármore como se fosse uma guitarra ou um violino, e com outra discrição, a merecer sempre o reconhecimento de todos os que têm noção do “belo”, e não apenas dos fadistas e tirones de Lisboa. Escultor polémico, trabalhador, mas a pedra que ele tocava a escopro e martelo, não se confundia com cordas vibrantes e tão enaltecidas por quem nem um sopro em flauta se fez ouvir, ver, ou marcar presença num verso simples, até aos dias gelados que hoje se fazem sentir. As televisões vão perder alguns minutos a papaguear o autor e a falar de uma ou outra Obra que se ergue numa praça ou num jardim deste país desigual e treteiro. Cutileiro teve azar em nascer e viver fora da Capital dos lobbys e dos oportunistas que deambulam à volta de acontecimento sonoro e que prometa ganhar lugar na procissão onde apareça um qualquer presidente que nem trautear uma cançoneta é capaz, muito menos trabalhar a pedra e dar-lhe forma eterna. Cutileiro terá direito a honras mais simples e sem espectáculo com câmeras a cobrir em ângulo pouco aberto, excepto um lençol que o verdadeiro artista tinha o cuidado de tapar para que os seus “ícones” não apanhassem constipação ou o vírus que anda por aí. João refugiou-se para falar com os “seus fados divinos” e no seu silêncio de artista maior e abençoado. Vamos ver quantos dos alfacinhas lhe vão prestar homenagem na hora dele ir a enterrar, com ou sem a presença do senhor de Belém e das selfis e da distribuição das papas e do pão, de vez em quando aos sem-abrigo, mas sem faca para o cortar, quando calha haver que jantar. João Cutileiro, intelectual em outras áreas, foi sempre a trabalhar que ganhou para se sustentar e deixar-nos a pensar e a ler como poeta que também o foi. Cutileiro vai estar sempre à frente dos nossos olhos, que o queiram “visitar” por vários lugares onde ele se “sentou” com Arte e Magia, saída de dentro da pedra difícil, mas tão macia quanto o som de um stradivarius. Ele sim. Merece o nosso aplauso”. Ele sim. Não precisou que outros lhe escrevessem o poema nem que lhe afinassem o instrumento para se por a cantar como um qualquer pregão de Alfama, ainda mais menina e moça sem tranças e sempre velha!

Joaquim A. Moura

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