Artigos

O “puxão” de orelhas da ERC à RTP-M

Deixei de ver os debates à noite na RTP-M, porque me irrito e isso perturba-me o sono

Veio publicado sábado (2/1) na pg.11 no DN-M, passando quase despercebido, devido ao COVID, um extrato do “… relatório de avaliação da observância do princípio do pluralismo político em 2019, produzido pela ERC – Ent. Reg. Comunicação Social, que contém várias considerações acerca da “…necessidade dum maior pluralismo partidário nos seus espaços informativos…” e entre outras é dito explicitamente: “sensibilizar para a relevância da diversificação das fontes no sentido da promoção de uma informação plural. Já nos canais da RTP Açores e a RTP Madeira é assinalada a dependência de fontes político-partidárias pelo que a ERC entende “sensibilizar para a relevância da diversificação das fontes no sentido da promoção de uma informação plural. A RTP Açores e a RTP Madeira assentam o acompanhamento da vida política regional sobretudo em FONTES REPRESENTANTES DE UMA ÚNICA ÁREA, em particular fontes político partidárias.”.

Todos nós constatamos na RTP a omnipresença do PPD, do seu Grupo Parlamentar, dos membros do GR, do Vice, do Presidente. Quando há eleições à porta, dividem-se em 4 ou 5 grupos, vai cada um para seu lado com a correspondente cobertura televisiva. A Direção de Informação escolhe criteriosamente quais os eventos que cobre e os que não cobre, só que o critério é “vesgo”. Dizem-me alguns elementos da oposição parlamentar que as desculpas dadas para não cobrirem eventos seus são várias: não cobrem o evento porque não estará presente nenhum deputado; que a cobertura se baseia em critérios exclusivamente jornalísticos, etc. Quando fazem a cobertura dos eventos da oposição, selecionam as partes mais anódinas, retirando-as o mais das vezes do contexto em que foram proferidas, de forma a estas ficarem uma espécie de placebos, sem sentido nem impacto.

Por outro lado, diariamente, de cada vez que o presidente visita pela enésima vez uma determinada obra, uma plantação de papaeiras, ou um poio de salsa, tem direito a cobertura televisiva, onde utiliza ¼ parte do tempo para falar do que ali o traz e ¾ partes da intervenção para zurzir nos seus alvos de estimação, o PS e Costa. A “mansidão” dos repórteres é flagrante, por incompetência, ou estou em crer, na maioria das vezes por medo de prováveis represálias, de onde resulta funcionarem por vezes como meros porta-microfones. Pura e simplesmente ouvem tudo o que os PPD’s têm para dizer sem os incomodarem qualquer pergunta mais difícil ou incómoda ou contraditório. Antes de publicarem as peças, por sistema não ouvem a outra parte, a versão dos visados que são atingidos diretamente pelas atoardas proferidas na RTP-M pelos PPD’s de serviço. Em termos de edição, o critério é o mesmo, as notícias que envolvam o PPD ou o GR, são publicadas em bruto, sem uma edição que cortasse se não a propaganda, pelo menos, as atoardas e os insultos. Os profissionais da televisão que é pública e paga pelo contribuinte, são legal e eticamente obrigados a garantir o pluralismo e a isenção, mas, como sabemos, o risco é enorme e quem tem “c”, tem medo, mas quando protegem ou defendem outros interesses diferentes em tudo do pluralismo, privam o cidadão do direito a uma informação que lhes permitiria optar de forma esclarecida e com liberdade. Não estamos condenados a ter uma RTP/RDP de 3ª divisão regional, domesticada e cordata. Não existe por cá na RTP, jornalismo de investigação, e quando houver, haverá também mudanças na qualidade da democracia.

Nos debates televisivos os PPD’s, utilizam todos e sempre a mesma cartilha: interrompem sistematicamente o opositor, com “bocas”, dichotes e atoardas, não o deixando concluir o raciocínio, ou expor a ideia, não deixam falar, “vão buscar” assuntos absurdos que não têm a ver com o debate em questão. Tudo lhes serve, vão desde o Costa (o preferido) até à Coreia do Norte, isto com a tolerância e o beneplácito (não quero fazer processos de intenção) dos moderadores que não sabem, não podem ou não querem “ter mão” no debate. Sou um “consumidor” de debates, mas deixei de ver os debates à noite na RTP-M, porque me irrito e isso perturba-me o sono. Por essa razão fiquei limitado a ver apenas debates de âmbito nacional, onde existe muito menos selvajaria e malcriação e mais pluralismo, compatíveis com o meu estômago. Com exceção de alguns casos, entre os quais destaco o da 4ª feira na SIC-Notícias, em que o moderador se especializou em fazer “emboscadas” (apenas) aos entrevistados de esquerda. Os debates a nível nacional e em termos globais nos vários canais até são num modo geral bem moderados (não sei como é na CMTV) e os participantes, com maior ou menor interesse, sabem no mínimo estar, com respeito e educação, até mesmo quando são do PPD.

A ERC chegou agora a estas conclusões, que são há já 45 anos públicas e notórias, porém nem o Representante nem o Presidente da República ainda viram, ou não querem ver o “elefante na sala”. Contudo, esta situação irá prosseguir se houver apenas recomendações ou tímidos reparos da ERC. Tem de haver consequências e alteração radical do modus operandi, com risco de não sairmos da “penumbra democrática” em que vivemos. Não é caso para pedir a demissão do ministro, como a direita gosta, mas no meu entender, o Diretor Regional da RTP/RDP e talvez também o da RTP nacional iriam de imediato “dar uma volta ao bilhar grande”, por não cumprirem a missão para que foram designados e que juraram cumprir.

Durante séculos existiu a figura dos “Juízes de Fora”, porque se entendia que os juízes não deveriam ter raízes nas comunidades, por razões óbvias. Hoje e neste caso deveriam criar a figura de diretor da RTP/RDP “de fora” para diminuir o risco de este ser sugado pelo polvo.

Não é contra a lei, mas como tenho o estômago sensível, causa-me engulhos ver o GR, “de braço dado” com o Bispo, com o Reitor, com os Chefes da Tropa e da Polícia, com o Juiz e com os Diretores dos órgãos de comunicação social, sempre juntos nas inaugurações e em outros eventos, por considerar tal situação eventualmente passível, facilitadora e compatível com entendimentos espúrios, com dolo para a independência e separação de poderes, em prejuízo dos cidadãos, sobretudo quando tal situação ocorre num sítio pequeno e provinciano, com um governo hegemónico (o que explica em parte a hegemonia). Desta forma, torna-se mais fácil por exemplo, a pedido de Albuquerque, escoltar de forma musculada turistas e residentes até ao hotel, ao arrepio da lei, ou policiar a cidade de metralhadora no fim de ano, como se houvesse risco de ataque terrorista ou de desordem pública. É voz corrente que “o poder é afrodisíaco”, por isso é que sabiamente a Constituinte o repartiu criando regras e separações. Cabe ao PR e ao Representante da República garantirem que tal acontece, mesmo que o façam por de trás do pano. Qualquer poder tem de ser limitado.

Fechar Menu