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Crónicas

No dia da saúde, para quem cuida

Gente que vive em permanente sobressalto, que altera a sua dinâmica para estar ali pelos outros. Pessoas que abdicam de muito, para dar, acompanhar e apoiar

Hoje celebra-se o Dia Mundial da Saúde. Num tempo em que nos vamos debatendo com novas doenças enquanto outras vão alastrando pela nossa sociedade. Este cancro maldito que não nos larga e que vai crescendo em casos na população mais jovem. Uma doença que estava intimamente ligada ao envelhecimento, apresenta-nos cada vez mais uma nova realidade, que pode calhar a todos e a qualquer um. É assustador sentirmos um abanão na vida como se tudo desabasse à nossa volta. As prioridades mudam, alteram-se os planos, suspendem-se os sonhos e tudo o resto parece desvanecer. Se aquilo que aprendemos é que ele estará muito associado a maus hábitos como o tabagismo, uma má alimentação, obesidade, ou falta de exercício físico a verdade é que vejo pessoas que contrariam totalmente essa associação. Pessoas que não fumam com cancros do pulmão, que têm uma alimentação supostamente equilibrada com cancros do foro gástrico e por aí fora. Acredito que ainda teremos muito que aprender sobre esta maldita doença e que ela possa estar muito ligada à nossa genética e ao ADN que carregamos. Mas não são só os cancros que matam e que nos retiram qualidade de vida.

A saúde mental é um tema muito atual na nossa sociedade. Ainda há pouco tempo desvalorizada vai sendo assumida com maior frontalidade sobretudo pelas mulheres, havendo ainda um caminho longo por percorrer. Depressões, síndrome de burnout ( muito ligado ao desgaste físico e ao stress ), crises de ansiedade que nos congelam, ataques de pânico e várias outras mas também esta nossa forma de aceitação numa sociedade que aponta cada vez mais o dedo, que não permite falhas ou derrotas e que nos julga em praça pública. Transtornos neurocognitivos como a demência e o Alzheimer ou de personalidade como a bipolaridade e o síndrome borderline reconhecido pelas alterações de humor, receio de ser abandonado, relacionamentos instáveis e comportamentos impulsivos são mais difíceis de tratar porque muitas não são diretamente físicas mas remetem-nos para o que se passa na nossa mente, no estado de espírito na nossa capacidade de interagir com os outros. Há quem viva enclausurado dentro da sua própria mente uma vida inteira, como se de um prisioneiro se tratasse sem nunca se conseguir libertar.

Por todas estas razões e mais algumas é fundamental acarinharmos e agradecermos a quem cuida. Quem ama, quem acompanha e não deixa alguém sozinho nestas situações de fragilidade e desespero. Tenho por isso muito respeito e admiração pelos médicos e enfermeiros mas destaco de uma forma especial os cuidadores informais. Os filhos que tomam conta dos pais e os pais que suspendem a vida para cuidar dos filhos. Os familiares próximos, os companheiros ou amigos. Gente que vive em permanente sobressalto, que altera a sua dinâmica para estar ali pelos outros. Pessoas que abdicam de muito, para dar, acompanhar e apoiar. Que não conseguem desligar o telemóvel à noite com medo que alguém possa precisar de alguma coisa, que colocam alarmes no telemóvel para avisar alguém da toma de um medicamento, que faltam a compromissos para levar à consulta ou para estarem ali durante o tratamento. Que dão palavras de incentivo e que muitas vezes têm que ouvir desaforos de quem está em baixo, em silêncio, para não piorar a situação.

Parar o que se está a fazer, correr o risco de não cumprir os sonhos ou objectivos para cuidar de outros, alterar rotinas, hábitos e horários em prol de alguém que num determinado momento precisa de atenção é dos atos mais nobres e altruístas que podem existir. O mundo também é feito de pessoas assim que escolhem a dedicação e o amor, muitas vezes colocando o sucesso em segundo plano. Esses mais do que nunca merecem o nosso aplauso e o nosso reconhecimento. Personagens na sombra que não escolheram o destino e que muitas vezes o destino não reconhece. Num mundo cada vez mais egocêntrico e preocupado com o seu próprio umbigo que nunca deixem de existir seres humanos assim.