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Vale a pena!

Tem de haver vontade de falar, mesmo por vezes tendo de poupar nos caracteres mas uma não menor capacidade para ouvir

Dizem-me para parar porque já chega de queixumes. “Não vês que não há dinheiro?” ou “Queres que vão desenterrar verbas onde?” é o que vou ouvindo com mais frequência, sendo ambos batidos a longa distância pelo “Não vale a pena”, que me deixa até enfurecido.

Não vale a pena ir votar; não vale a pena participar; não vale a pena falar, escrever ou, parece-me pelo menos, sequer raciocinar. E não vale porque nada muda e porque (esta também gosto muito), são todos iguais e todos um bando de escroques sem escrúpulos e loucos para se afiambrarem nuns euros. Depois dá nisto…

O discurso não ajuda mas, pelo que me é dado observar, o resultado é o oposto do que podia perspectivar-se; a malta gosta é de ouvir coisas boas e, para desgraças, já basta a vida. Agora a nova lógica é falar em número de lugares de avião recuperados, sem nunca referir os que depois se perdem, por causa da decisão de um qualquer Boris (e há vários espalhados por aí!).

Até perceberia a necessidade de trazer alguma esperança ao que se diz mas o problema é quando se exagera e se entra no reino da fantasia, num exercício que até podia ser de “wishful thinking” mas que todos sabemos não tem esse propósito. Querem provas? Basta olhar para esta nova alteração ao apoio à retoma e pensar no que aconteceu, entre Maio e Junho, para a justificar… O que mudou, na realidade, para se pensar em penalizar as empresas por suposta diminuição de perdas?

Apesar disto tudo e de, por vezes, sentir as pernas fraquejarem, continuo a achar que ainda vamos a tempo. Que vale a pena. Que é necessário, para isso, trazer verdade e realismo ao debate e que assim poderemos trabalhar melhor, em conjunto, sem culpas nem culpados.

Tem de haver vontade de falar, mesmo por vezes tendo de poupar nos caracteres mas uma não menor capacidade para ouvir. Ir ao fundo dos problemas e buscar ainda mais fundo as soluções, sendo que estas não poderão nunca ser iguais às utilizadas no passado. Porque nunca experienciámos dificuldades semelhantes!

Não havendo os meios necessários e suficientes para acudir a tudo, que ao menos se pense de outra maneira no que pode fazer-se com o que se tem e com o que parece aí vem. E que se não prometa o que depois se não pode cumprir.

Se não acho admissível deixar cair no esquecimento compromissos assumidos – neste rol, relembro compensações a fundo perdido ou o pagamento do subsídio de Natal, por exemplo – penso ser ainda mais importante entender quais os planos de resiliência implementados por aqueles que têm conseguido manter-se abertos mesmo tendo de aguentar decisões alheias, quais as consequências que o esvair de poupanças vai ter no futuro próximo ou como ultrapassar tectos de endividamento atingidos e necessidades de investimento imediatas.

Acho que vale a pena falar sobre isto. Acho que, querendo, ainda vamos a tempo. Acho que devemos levar um banho de realidade. Que vale a pena, disso não tenho qualquer dúvida!