Crónicas

A nossa classe política

Até há quem bata as mãos sem se ouvir para não aumentar o ruído do aplauso que homenageia colega ou adversário de percurso

Há muito que intendo escrever sobre a nossa classe política. A da Madeira, isso mesmo. Fiz parte ao longo de 45 anos desta experiência democrática que vi nascer ainda estudante universitário. Não tinha consciência política. Entre 74 e 76 fiz uma aprendizagem acelerada de um processo revolucionário que, felizmente, os madeirenses rejeitaram.

Como é natural a nossa classe política regional era impreparada e viveu de improvisos superados por algum traquejo e inteligência de Jardim. No lado da esquerda a inexperiência era mais que muita. Os perseguidos pela ditadura eram raros.

Não é difícil a avaliação que se pode fazer dos que se intitularam políticos neste pequeno arquipélago. A maioria sem mundo, com televisão há bem pouco tempo, alguns tendo vivido cinco anos em Lisboa ou Coimbra rodeados dos mesmos amigos que os acompanharam desde a Madeira.

Somos poucos os que habitam nestas duas ilhas. Por isso raramente temos quem se destaque: um jogador de futebol (Cristiano Ronaldo), um intelectual (D. Tolentino Mendonça), um político (Alberto João Jardim), uma artista plástica (Lourdes Castro) ou um poeta (Herberto Helder). Estes são heróis da nossa nação, alguns deles, saídos de raízes de muitas dificuldades e catapultados para a fama internacional por exclusivo mérito e esforço pessoal. Numa segunda galeria, de âmbito nacional, temos um autarca (Fernão Ornelas), um juiz (Ivo Rosa), dois cantores (Max e Sérgio Borges) e não posso escrever etcétera porque será difícil encontrar outros com a mesma envergadura.

É esta a triste realidade: aqui nasce de “séculos a séculos” uma, não mais do que uma em cada sector da nossa vida social e colectiva, personalidade de gabarito nacional, muito raramente com reconhecimento mundial. E se aparece uma em cada área como exigir ter cem políticos de nível superior mais outros cem para cargos de segunda linha mas também importantes na organização política da Madeira e Porto Santo. E sem contar com as necessárias substituições e imprescindível renovação periódica.

Impossível! Não há, nem nunca haverá, tamanha fartura de políticos satisfatórios no activo em cada tempo.

Ou seja, vamos ter que nos remediar com o que há e não com o que gostaríamos ter: em qualidade. Não podemos exigir craques políticos porque não se fabricam. As escolas da política, ditas juventudes partidárias, vivem na angústia de verem fugir os seus melhores para mundos mais criativos e dinâmicos onde o mérito é permanentemente valorizado e premiado. Hoje os bons e capazes pensam logo numa carreira no sector privado e empresarial. Já ninguém sonha com uma carreira política. Apenas se não houver outra saída.

Ainda arrepia a coragem política de Alberto João Jardim ao nomear três secretários regionais, cada um com menos de trinta anos de idade, sem se dar mal nem se arrepender.

E se vamos arranjando quadros técnicos para gerir a coisa - os diferentes sectores da governação - claramente falta quem visualize o futuro da democracia e da autonomia. Estes dois grandes valores da nossa vida política têm de evoluir e aperfeiçoar, com mudanças que exigem preparação, conhecimento, risco e decisão. E esse debate precisa de protagonistas com estatura política conhecida e reconhecida. Precisam ser aceites como referências de bom pensamento, opinião e conselho.

A política madeirense e portosantense faz-se com os tais duzentos protagonistas, a maioria deles dando o seu melhor para fazer o máximo possível. Tornou-se uma tarefa exigente agradar sem os recursos financeiros necessários. O tempo do forrobodó financeiro, sem contas nem responsabilidades, já passou para “mal” dos que gastaram o que não tínhamos. Mas para bem de todos nós.

Tenho pelos que trabalham, constroem, ajudam as pessoas, sem interesse pessoal ou inapropriado, a maior admiração e respeito. Bem hajam !

Mas já não posso dizer o mesmo dos que nada fazem, andam nisto com calculismo pessoal e à mínima dão o golpe.

Se repararmos os “nossos” “políticos“ dispensáveis andam nessa vida sem deixar um registo que seja da sua passagem pela política. Têm pavor a compromissos com ideias, intervir em debates, dar opiniões, recusam pôr um simples “like” que os possa prender e não poderem ter uma opinião contrária daí por umas semanas. São zeros absolutos e nada fazem para serem reconhecidos como contribuintes líquidos de ideias e opiniões.

Aqui na Madeira todos dão opinião mas ninguém critica, positiva ou negativamente, um comentário dado por outro colega. Se vier da oposição então já tem de ser contrariada, repudiada e zurzido o seu autor. Mas não há debate na mesma área política. Para cada um é como se a única opinião fosse a sua. Nunca antes foi dito ou escrito seja o que for. A sua opinião é a primeira. Desde o descobrimento por Zarco.

Até há quem bata as mãos sem se ouvir para não aumentar o ruído do aplauso que homenageia colega ou adversário de percurso.

Não tenho dúvida que Miguel Albuquerque foi o melhor sucessor possível de Alberto João Jardim. E tenho para mim que Albuquerque se revela muito melhor líder político do que era esperado. Tem as prioridades bem definidas, disciplina quanto baste e tornou-se um reconhecido trabalhador. É bom para o PSD que assim seja. Está para durar no cargo. Ao contrário de Jardim não divide para reinar. A demolição política de colegas de partido já não é prática interna no PSD. Falta voltarmos mais ao um por todos que ao todos por um. O PSD já não é uma sucessão de pais para filhos, como o foi em muitos casos conhecidos. Agora é preciso lutar, ter mérito e se destacar entre pares. Mesmo com múltiplas e boas opções na vida, acredito que a carreira política terá o contributo de boa parte dos melhores jovens que agora fazem projectos de futuro. É importante que isso aconteça e as próximas autárquicas são um bom momento para entusiasmar, principalmente, os jovens quadros, partidários ou não, por uma experiência que os pode catapultar para uma carreira com muito sucesso.

Se temos défice é de debate de temas de interesse regional. Precisamos discutir as áreas decisivas do nosso desenvolvimento. Organizar fóruns de intervenção sobre todas as matérias importantes. Podem ser organizados por partidos, por sectores sociais e económicos, por grupos etários, por governantes, por autarcas, etc.

O que importa é proporcionar participação.

Antes parar que quebrar

José Bettencourt da Câmara liderou o Diário de Notícias durante várias décadas. Na idade própria assume a merecida reforma a que tem direito. Contemporâneo no liceu e estudos universitários, atleta de superior craveira nacional, director do DN e administrador do seu grupo empresarial, José Câmara tem todo o mérito de ter garantido até hoje um editorial firme, não alinhado e imprevisível em cada edição do dia seguinte, ao que não são alheios os directores que muito bem o acompanharam. Esperamos que assim continuará. Resistiu a pressões e ameaças como outras não houveram e sou conhecedor e testemunha da sua coragem e resistência a título profissional como ainda pessoal. Para trás ficam muitas querelas politico-jornalísticas com tensão própria do que todos nós somos.

Bem hajas Zé e boa sorte no muito que ainda vem por diante.