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Estátuas

Olho para a grande estátua, à medida que o automóvel contorna a rotunda, e pergunto o que tanto perturba o homem e o seu leão de pedra no alto do pedestal. Creio que aflige a recorrência do passado, da transtemporalidade da História e tudo o que dela transcende aqui e agora. Aflige também a reprodução das assimetrias e das relações de força, numa incessante e intolerável distopia. Rio-me do título de um filme a parodiar “O Império Contra-ataca”, cantarolando uma música de protesto. A circulação, tal qual o pensamento, é breve, um flash. O que fica são estas palavras de Boaventura Sousa Santos, que deixo em partilha: (...) “Se nada disto fosse parte do nosso presente, as estátuas estariam sossegadas e entregues às pombas. Para sermos mais concretos, se na grande Lisboa não houvesse bairros da Jamaica, se a cor de pele das populações mais expostas ao vírus não fosse a que é e fosse igual à dos que estão em teletrabalho, se não houvesse brutalidade policial racista nem grupos neonazis infiltrados nas suas organizações profissionais, as estátuas estariam em seu sossego pétreo ou metálico.” (...) Aflige ainda que nenhuma estátua, por mais complacência haja, esteja ali...posta em sossego!

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Entristece-me a morte do escritor e tradutor Pedro Tamen. O malogrado era feitor-mor de uma poesia culta, com substância e polimento. Aprendi a admirá-lo desde a infância e tive o grato privilégio que me prefaciasse o livro “Li Cores & Ad Vinhos” (Ed. Letras Várias), em 2009. Descanse em paz, poeta Pedro Tamen.

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Otelo Saraiva de Carvalho. Personagem central, estratega que foi, do 25 de Abril de 1974, revolução que instaurou a Democracia e as liberdades em Portugal e abriu caminho para a descolonização das antigas “províncias ultramarinas” portuguesas, então em luta pela autodeterminação e independência. Grande Otelo, um dos imprescindíveis no combate ao anacronismo histórico, a nossa gratidão. Até sempre, Capitão de Abril!

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Felicito o escritor (Presidente da República de Cabo Verde) Jorge Carlos Fonseca pela matéria/entrevista, publicada no Words Whithout Borders, “Cabo Verdean President Jorge Carlos Fonseca: Poetry Is the Only Instrument of Radical Change” e assinada pelo poeta, cineasta, tradutor e editor americano David Shook. A tradução e a circulação como pilares da Literatura-Mundo nesta hora da mobilidade maior (e global) da arte!

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Esticamos a mão para a Árvore da Poesia e acariciamos os frutos generosos de Arménio Vieira. O livro “Safras de um triste outono” é da cepa que conduz a literatura cabo-verdiana a um patamar elevado, com os dedos e o pulso na Literatura Mundial. Viva o Conde de Silvenius, no altaneiro (raiz de Apolo e seu rizoma das Musas) do “nosso” Monte Parnasso. A propósito, a poucos quilómetros do aqui e agora o Montparnasse (14e arrondissement de Paris!).