Dos Santos ao Natal

Inesperadamente coloriram-se de um branco imaculado os picos das nossas serras, onde só a mãe natureza é exímia na pintura de tais quadros naturais com tamanha beleza artística.

Diziam os antigos; “dos santos ao natal, inverno natural” (dia de todos os santos)

Aquele manto branco estendido sobre o verde das nossas montanhas, traz-me recordações dos meus tempos de menino naquela freguesia de Santana, quando do Pico Ruivo à Achada do Teixeira e por vezes até ao Pico das Pedras, brilhava o granizo sob a ação dos raios solares parecendo mais uma obra de joalharia.

Para mim, aquilo era o prenúncio de um natal que se avizinhava, onde também a matança do porco se enquadrava nessa quadra festiva.

O frio que se sentia, mais a brancura das serras e as pessoas a dizerem “estamos quase na festa”, era o meu contentamento que o natal se aproximava.

Para que o tempo me parecesse mais curto, eu dividia aquele espaço de tempo que faltava para chegar ao natal em dois períodos. O período antes da matança do porco e o período após matança do porco. Eram duas festas que eu adorava.

Em Novembro começava-se a engordar o porco com maior empenho do que até então, porque interessava, que este estivesse o mais gordo possível na altura do abate, pois da sua gordura sairia o tempero para a nossa comida ao longo do ano, além disso era uma presunção ter um porco gordo, onde no dia da matança se convidava, compadres e amigos para verem o animal, que ficava exposto o dia inteiro com um rasgo vertical na zona lombar, onde por aí se podia ver quantos dedos media de gordura, ao mesmo tempo esta visita servia para brindar uns copitos.

Após esta festança eu começava na contagem decrescente dos dias que faltavam para chegar ao natal, a exemplo do que tinha feito até chegar à referida festa da matança do porco.

Entretanto a minha mãe semeava as searinhas, que haviam de adornar a lapinha e eu quase todos os dias ia regá-las e ver o quanto tinham crescido, enquanto já se ouviam o estampido das bombas de garrafa que explodiam por aquelas redondezas.

Chegava o dia de amassar o pão da festa e fazer o bolo-doce, o que indicava que estávamos a chegar mesmo às vésperas do natal. O lamber dos dedos depois de os passar no alguidar que tinha ficado lambuzado de massa crua do bolo, que já estava no forno a cozer, fazia parte daquela alegria. O cheiro do pão a cozer no forno que se juntava ao cheiro da carne de vinha d’alhos que se espalhava aldeia dentro, aromatizavam o ambiente de modo a aguçar ainda mais os apetites, que por si só já eram bem agudos.

Finalmente chegava o almejado dia, onde se comia e bebia aquilo que ao longo do ano era impensável comer ou beber; galinha, cacau, arroz, chá preto e outras iguarias.

E assim, se acabava tão rápido, aquele dia que tanto demorou a chegar.

José Miguel Alves

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