Fact Check Madeira

É verdade que os 13 marinheiros do NRP Mondego arriscam pena de prisão até 5 anos por insubordinação?

A insubordinação é o crime mais grave que os militares da Marinha vão responder, no âmbito do inquérito aberto pela Polícia Judiciária Militar. O Correio da Manhã disse que os marinheiros arriscam 5 anos de prisão. Será?
A presença do almirante Gouveia e Melo a bordo do NRP Mondego simbolizou a reposição da ordem, da autoridade marítima e da disciplina militar, após o episódio de rebelião de um grupo de marinheiros que "não será esquecido".
A presença do almirante Gouveia e Melo a bordo do NRP Mondego simbolizou a reposição da ordem, da autoridade marítima e da disciplina militar, após o episódio de rebelião de um grupo de marinheiros que "não será esquecido"., Foto Miguel Espada/ASPRESS

Muita tinta tem corrido nos últimos dias sobre o incumprimento da missão do NRP Mondego, com muitos prognósticos sobre as penas que arriscam os 13 militares que, no sábado à noite se insubordinaram, por entenderem que aquele meio naval da Armada apresentava “limitações técnicas graves” que comprometiam a segurança de todos a bordo. O Correio da Manhã avançou ontem que os 4 sargentos e 9 praças “arriscam até 5 anos de prisão por insubordinação” incumprindo a missão de acompanhamento de “um navio da armada russa”. Será mesmo assim?

Quanto ao navio russo que atravessou os mares da Madeira livremente e sem a escolta do navio patrulha português não se trata de um meio militar mas de uma embarcação expedicionária que está ao serviço da Federação Russa. A identidade do navio foi dada a conhecer, em primeira mão, pelo DIÁRIO na edição impressa de ontem. O navio em causa é o ‘Akademik Alexandr Karpinsky’, um navio científico de bandeira russa que já passou por águas nacionais este ano, tendo na altura merecido o acompanhamento da Marinha. Esse navio já constava dos registos da Armada portuguesa e era considerado suspeito. Conforme o DIÁRIO avançou, o navio russo chegou a estar envolvido em polémica, nomeadamente na África do Sul, devido às estranhas incursões expedicionárias à Antárctida, presumivelmente de prospeção mineral e de recolha de dados.

O Chefe de estado-Maior da Marinha confirmou isso mesmo esta manhã, revelando a razão pela qual aquele navio russo não poderia escapar ao periscópio da Armada lusa.

"O navio russo é um navio de espionagem que anda atrás e a medir os cabos submarinos e as infra-estruturas dos cabos submarinos e nós temos que ter a preocupação, face ao significado que isso tem em termos militares" Gouveia e Melo, aos jornalistas, esta quinta-feira, após a visita ao NRP Mondego

Esse aspecto será, naturalmente, tido em conta quer pela investigação criminal a cargo da Polícia Judiciária Militar, mas também no processo interno de averiguações tutelado pela Autoridade Marítima, do qual sairá a sanção disciplinar. O amargo de boca está bem marcado nas palavras do Almirante que lembrou não só as repercussões nacional como internacional da conduta de indisciplina dos marinheiros.

Não manchará, certamente, a nossa reputação, mas será notado pelos nossos aliados, isso tenho a certeza absoluta" Gouveia e Melo

Sabe o DIÁRIO que a Marinha já abriu um processo interno de averiguações para aplicação de eventuais sanções disciplinares aos 13 marinheiros, ao abrigo do Regulamento de Disciplina Militar.

Conforme demos conta nesta edição digital, os marinheiros abandonaram o posto no início da tarde. Por indicação do Chefe de estado-maior da Armada, estão suspensos do exercício de funções no âmbito do processo disciplinar em curso.

Marinheiros suspensos já abandonaram o 'NRP Mondego' após visita do almirante

Os militares alvo de inquérito pela Polícia Judiciária Militar deixaram hoje o seu posto, depois da visita desta manhã do Chefe do Estado-Maior da Marinha, Henrique Gouveia e Melo

A par disso, e considerando que poderá estar em causa matéria do foro criminal, a Armada remeteu o relatório do incidente à Polícia Judiciária Militar (PJM), a quem compete abrir o inquérito e investigar as circunstâncias e apurar as responsabilidades individuais e colectiva nos crimes que poderão estar em causa: insubordinação, desobediência e usurpação de funções. As inquirições, conforme revelou o Chefe de estado-maior da Armada, Gouveia e Melo, começam na próxima segunda-feira.

Ora, no caso da insubordinação, o artigo 135.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante prevê a aplicação de pena consoante a gravidade da matéria de facto, estabelecendo que “se não tiver havido violências, ameaças ou injúrias” - como aparentemente será o caso - “não será aplicada pena superior a quatro anos de prisão maior, celular ou, em alternativa, a degredo correspondente”.

Já se o caso de insubordinação assumir contornos de um motim ou tumulto violento então os militares intervenientes arriscam uma pena que que pode ir de 2 a 8 anos e se forem empregues armas nessa rebelião, então aplicar-se-á o máximo da pena.

“Os tripulantes que se reunirem em motim ou tumulto, ou com arruído, empregando violências, ameaças ou injúrias: para impedir a execução de alguma ordem legítima da autoridade marítima do capitão ou de outro superior hierárquico; para constranger, impedir ou perturbar qualquer destas entidades no exercício das suas funções; para exercer algum acto de ódio, vingança ou desprezo contra as mesmas entidades; ou para se eximir ao cumprimento de alguma obrigação, serão punidos com prisão maior celular de dois a oito anos ou, em alternativa, a degredo temporário”. Artigo 135.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante

Ainda que a jurisprudência revele casos de insubordinação que culminaram com pena suspensa mediante o correspondente pagamento de coima, em todo o caso, a pena de prisão por insubordinação será sempre inferior a 4 anos nos termos da lei, sendo portanto, falso que os marinheiros arriscam “até 5 anos de prisão”.

Evidentemente, que a decisão terá em conta, após a auscultação dos arguidos, a gravidade dos actos. Se por um lado, parece evidente que a conduta dos marinheiros não foi dolosa, pois no cerne da decisão dos 13 militares - correspondente a metade da guarnição do NRP Mondego, número suficiente para abortar a missão - estava a consciente chamada de atenção para a falta de condições de segurança a bordo do meio naval e o receio de que a saída para a missão pudesse por em risco as próprias vidas e a integridade da embarcação, por outro lado, a guarnição estava, toda ela, obrigada ao cumprimento do dever militar e a respeitar a decisão do comandante do navio. O alarme social causado pela tomada de insubordinação, a afronta à hierarquia de comando da Armada e o abalo político não serão ignorados na investigação da PJM.  

O próprio Chefe de estado-maior da Armada deixou claro que não pretende que este caso sirva de rastilho para outros, nem que o grupo dos 13 se torne numa espécie de mártir. A deslocação à Madeira de Gouveia e Melo trouxe essa mensagem de que nenhum militar pode atropelar a hierarquia de comando da autoridade marítima e que os marinheiros têm o dever de cumprir a "batalha diária com verdadeira vocação" e falharam ao não acatar as ordens "legítimas do seu comandante".

Ser militar da Marinha é estar disponível para a "batalha diária com verdadeira vocação"

Almirante Gouveia e Melo dirigindo-se à guarnição NRP Mondego

Em causa poderão estar também os crimes de desobediência e de usurpação de funções. Em todo o caso, são ilícitos de menor gravidade do que a insubordinação e, logo, com molduras penais inferiores.

O tripulante que deixar de cumprir qualquer ordem legítima da autoridade marítima, do capitão ou de outro superior hierárquico, respeitante a serviços que não sejam relativos a segurança da embarcação, de pessoas, de cousas, ou relativa à manutenção da ordem, será punido com prisão simples de um a seis meses. A simples recusa de cumprimento da ordem, quando seguida da sua execução voluntária, será punida com prisão simples até três meses.” Crime de Desobediência - Artigo 137.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante
"Quem:
a) Sem para tal estar autorizado, exercer funções ou praticar actos próprios de funcionário, de comando militar ou de força de segurança pública, arrogando-se, expressa ou tacitamente, essa qualidade;
b) Exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche; ou
c) Continuar no exercício de funções públicas, depois de lhe ter sido oficialmente notificada demissão ou suspensão de funções; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias." Crime de usurpação de funções - Artigo 358.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante

A par da matéria passível de acção criminal, os 13 militares incorrem também em sanção disciplinar, ao abrigo do Regulamento de Disciplina Militar, que depende da esfera directa do Comando Naval da Marinha. Sobre isto, já ficou bem implícito que o Chefe de Estado-Maior da Armada não está disposto a perdoar. Isso mesmo disse-o, cara a cara, aos elementos da guarnição do NRP Mondego, mesmo que depois disso, e falando aos jornalistas, tenha tentado aligeirar.

“Eu não disse que não perdoava. Eu disse que não esquecia e que este acto vai ficar registado na nossa história, porque um acto de insubordinação nas forças armadas é um acto com uma gravidade muito grande e nós não os podemos ignorar” Gouveia e Melo