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Quem casa, quer casa

Desde que tenho consciência de mim mesmo, recordo de ouvir os meus pais e outras pessoas mais velhas, repetir, até à exaustão, o adágio que afiança que “quem casa, quer casa”. Neste caso, a sabedoria popular na qual vamos beber alguns valores que nos orientam, ao longo da vida, queria apenas significar que o melhor para quem se emancipa, e constitui nova família, seria ter o seu próprio cantinho, onde pudesse iniciar uma caminhada com outra pessoa, sem interferências de terceiros. Todavia, nos dias de hoje, o provérbio popular referido, mantendo a sua atualidade e pertinência, é irrealizável. Um casal jovem que queira adquirir uma habitação com recurso ao crédito bancário, enfrenta um universo de dificuldades que, na maior parte das vezes, inviabiliza tal legítima pretensão. Desde logo, a obrigatoriedade de ter que dar uma entrada de largos milhares de euros, para poder ver o seu crédito à habitação aprovado, constitui um obstáculo praticamente inultrapassável para a esmagadora maioria dos casais. A esta dificuldade, junta-se a exorbitância dos valores praticados pelo mercado imobiliário, onde são pedidas quantias verdadeiramente pornográficas para aquisição de um imóvel de tipologia T1 ou T2, cujos valores quase nunca são inferiores às duas centenas de milhares de euros, na costa sul da Madeira. Goradas as expectativas de poder adquirir uma habitação, pelas exigências estapafúrdias das instituições bancárias (sim, aquelas em que o Estado, com dinheiro de todos nós, tantos milhões injectou para pagar salários e proveitos principescos a uns vampiros que, como cantava o Zeca, “comem tudo e não deixam nada”), não resta outra alternativa que não seja o recurso ao mercado de arrendamento. Aqui também, o tal mercado a funcionar (que nos lixa a todos com F grande) dificilmente oferece habitações a valores inferiores a 700 ou 800 euros mensais. E, lá, de novo, a esmagadora maioria dos casais, cujos elementos tantas vezes têm salários ao nível do salário mínimo ou pouco mais, e com vínculos laborais precários, vêem-se obrigados a viver em casas de pais e sogros porque esta terra, a nossa terra, não é para pobres. Os Dubais, os Séc. XXI e o raio que os parta a todos são apenas para alguns privilegiados que “têm pais ricos” que podem comprar um apartamento a 300, 400 ou 500 mil euros. Uma ofensa à esmagadora maioria dos trabalhadores que sobrevivem com salários de miséria e que, com as crises que não criaram, mal têm o que colocar na mesa para matar a fome. Esta situação, da falta de alternativas habitacionais decentes para quem ajudou, com os seus impostos e com a sua força de trabalho, a construir a Madeira e o país têm que ser objeto da atenção dos governos, regional e nacional. Com eleições regionais num horizonte próximo, espero que as forças políticas candidatas a esse sufrágio apresentem propostas concretizáveis para resolver este grave problema, que começa a atirar tantos excluídos para as nossas periferias geográficas e sociais.