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Teleférico do Curral das Freiras, algumas questões

Neste tempo de estado de emergência climática, seria importante que olhássemos para a nossa Ilha na perspetiva do seu cognome: «Pérola do Atlântico». Ela manteve este qualificativo, apesar da pressão madeireira de outros tempos, da luta dos seus habitantes pela sobrevivência e da criação de infraestruturas necessárias e indispensáveis para o nosso desenvolvimento socioeconómico. Contudo, a preservação do património natural e da sua beleza deveu-se ao facto de, em todos os tempos, ter havido, neste arquipélago e fora dele, forças e governantes, leis e regulamentos capazes de travar os exageros, tanto no uso dos recursos das florestas, como na ocupação dos espaços. É por isso que residentes e visitantes ainda encontram, nesta pérola oceânica, muito do património já desaparecido noutras paragens da Terra. Para além dos elementos culturais e humanos, aqui encontram uma floresta milenar que os faz remontar às origens; um maciço montanhoso agreste; um clima ameno e um mar convidativo. Uma vez na Ilha, os visitantes distanciam-se da «civilização», calcorreando veredas e levadas, demorando-se nos miradouros, atentos ao património geológico, à fauna e à flora.

Tendo em conta o valor da paisagem natural, a apetência dos visitantes pela mesma e o facto das alterações climáticas já estarem a afetar negativamente a agricultura e todo o meio ambiente, consideramos que uma boa parte do investimento coletivo, público e privado, deverá ser orientado para protegê-la e regenerá-la. Qualquer intrusão nas áreas protegidas e florestais só deverá ser permitida se for extremamente necessária para a segurança da população.

Ultimamente, têm sido apresentadas ideias e projetos que são verdadeiras investidas sobre as áreas protegidas desta Pérola do Atlântico. Por exemplo, está em discussão pública um estudo de impacto ambiental relativo à pretensão de ser construído um gigantesco teleférico entre o Curral das Freiras e o Jardim da Serra. Trata-se de uma obra desnecessária, inconveniente e arriscada. O teleférico não será amigo da segurança dos habitantes do Curral das Freiras e perturbará, certamente, as aves que nidificam na quietude daquelas rochas. Além disso, não corresponde às necessidades da população, nem foi sugerido pelos turistas que, segundo se diz, serão os seus principais destinatários. Nem uns nem outros precisam do teleférico para entrar ou para sair daquelas terras. O Curral das Freiras e o Jardim da Serra precisam, isso sim, da via expresso que ligará as duas freguesias. Essa via contribuirá para quebrar o isolamento, para reforçar a segurança e dará um grande contributo no desenvolvimento socioeconómico destas comunidades rurais.

O Curral das Freiras, freguesia habitada por cerca de 2000 pessoas, é terra de grandes riscos, sujeita a catástrofes naturais, como derrocadas e aluviões. A instalação e o funcionamento do teleférico, correspondem a intrusões perigosas numa área sensível e singular, onde não se deveria intervir a não ser para conhecer, proteger e conservar. E, mesmo com esses fins, essa intervenção deveria ser feita «com pinças». O teleférico será, inevitavelmente, um fator de erosão e contribuirá para que estes fenómenos geológicos ocorram com maior frequência e com maior intensidade. Quem se responsabilizará por esses eventos futuros?

Esta infraestrutura, devido ao seu impacto visual negativo, funcionará como uma espécie de nódoa que, por deliberação insensata, cairá sobre um dos monumentos naturais mais sublimes da nossa terra. Não temos dúvidas de que o teleférico contribuirá para a aceleração da matança da nossa «galinha de ovos de ouro»: a paisagem natural. A Madeira ficará com o seu cognome, Pérola do Atlântico, desvalorizado e perderá importância no conjunto das ilhas que guardam patrimónios geobotânicos únicos. Para que tal não aconteça, temos de resistir à tentação dos «30 dinheiros». O bom senso tem de imperar: o teleférico não será construído. Será levado a

sério o direito dos habitantes do Curral das Freiras à segurança e o maciço montanhoso da nossa Ilha, com a sua beleza e quietude, não será devassado!