Madeira

O direito a desligar

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Boa noite!

Quem me conhece sabe que, de forma deliberada, não gozo do direito consagrado a desligar do trabalho que desempenho com paixão. Mesmo que essa opção consciente não faça muito bem à saúde. Mesmo que tenha mais vida para além do serviço colectivo. Mesmo que esteja rodeado de gente capaz e cooperante, e de ter perfeita consciência que nesta profissão, como noutras, não há insubstituíveis.

É uma opção de vida, talvez decorrente da nefasta percepção que por vezes perdemos demasiado tempo a teorizar sobre a separação entre a vida pessoal e a profissional, quando ambas são inseparáveis para quem, em todos os momentos, funciona como um todo. Mas acima de tudo é resultado da certeza que só se vive uma vez e que a melhor forma de aproveitar a sublime oportunidade existencial implica dispensar rotinas, ter atitude generosa perante o imprevisível e não desligar quando é evidente e recomendável a necessidade de manter a conversa em dia, os olhos abertos de modo a que nada fique por escrutinar e a lucidez para não ignorar o que é urgente.

Não sou dado a intervalos, mas esta opção de risco não me dá o direito a reger a vida de todos os meus contactos pelo mesmo diapasão, nem a impor ritmos alucinantes aos recursos que tenho a incumbência de gerir. Mas torna-me exigente. Ou seja, para que possa livremente não desligar do essencial sou manifestamente avesso a um sem número de práticas enraizadas ou tentadas que nos desviam da causa maior.

Não aprecio… o som do telemóvel e, por razões operacionais, faço questão de tê-lo no silêncio, sem prejuízo de quem liga; os telefonemas banais sobretudo fora de horas; os grupos de partilhas de mensagens aos quais sou adicionado sem autorização que não têm noção do ridículo; os alertas informativos entre a meia-noite e as sete da manhã; as desconsiderações dos que se acham sempre no direito de ver atendidas as suas preces mesmo antes de serem feitas; os prazos impossíveis de cumprir; os tradicionais expedientes usados pelos que questionam por vários meios e formas se recebi o que mandaram por correio electrónico quando a ferramenta tem incorporada processos de certificação automática; as perguntas que nos fazem para as quais já sabem as respostas de antemão; os juízos de valor infundados; as pistas que nos fazem perder tempo porque não passam de boatos; os que sem nada terem feito pelas mesmas nos pedem a toda a hora pdfs de notícias como se fossemos agência de clipping; e ainda os que me ligam quando sabem que estou a apresentar o noticiário na rádio; os que me chegaram a pedir bilhetes de borla para eventos solidários; os que me dão palpites sobre quase tudo e nunca acertam em nada; os que dedicam o tempo de trabalho ao repouso...

Mesmo que legislem em sentido contrário tenho direito a atender chamadas, a ler e escrever emails, a responder a mensagens de telemóvel ou a conversas de redes sociais, que estejam relacionadas com trabalho, fora do meu horário laboral  porque é meu dever, independentemente de ser remunerado pela ‘isenção’. Deixem-me trabalhar, onde quer que seja, na empresa ou em casa, na praia ou na serra. Deixem-me gerir o tempo de forma a desligar de tudo o que não interessa para assim preservar a minha da saúde mental, evitar o stress e exercitar a criatividade. Deixem-me ser livre.