A perversidade da burocracia na saúde

Há uma perversidade gigantesca dentro da burocracia gerada pelo sistema de saúde. Eu conto.

Ontem, tive um acidente. Torci o tornozelo esquerdo na irregularidade do pavimento da escola. Uma dor lancinante percorreu todo o meu ser. Mas dei a primeira aula (a outra está agendada para o final do dia). Como a dor e o incómodo eram grandes, e não encontrava posição satisfatória, resolvi ir ao hospital. O acidente deu-se às 8:14, pouco antes do primeiro toque do dia, e a ambulância foi chamada por volta da 10. Os bombeiros chegaram colocaram delicadamente duas talas na perna para imobilizar o tornozelo. Passaram professores, alunos, funcionário que testemunharam a presença da ambulância e os cuidados a que estava a ser sujeita. Saímos da escola rumo ao hospital de Faro. Quase vazio. Havia poucas pessoas à minha frente. Fiz uma radiografia que se limitou a indicar aquilo que já se sabia: era uma entorse. Depois de uma dose para cavalo de analgésico, engolido por uma seringa, fui dispensada e avisaram-me para não me esquecer de passar pelo serviço administrativo do hospital e pedir o papel do acidente de trabalho. Regressei de táxi que a senhora do hospital amavelmente chamou. Fui, de imediato, preocupada com a justificação da falta, ao centro de saúde da localidade onde trabalho, pedir um atestado e já não havia médicos presentes. O taxista esperou no parque de estacionamento. Deixei o meu contacto a esse estabelecimento, a pedido de uma enfermeira juntamente com a fotocópia do relatório médico, para que o médico, que não sabe nada do meu estado clínico, se baseie nas palavras de outro, para passar a baixa. Fui eu, apesar do meu estado, que me vi obrigada a andar de um lado para o outro, tentando resolver o lado burocrático do meu problema de saúde.

Agora, a escola, diz que enviou o papel que deveria ter partido comigo da escola (e que nem os bombeiros pediram) para o meu e-mail. Eu estava no hospital e não levei telemóvel, porque estava a carregar em casa! Houve 90 minutos de intervalo entre o acidente e a chegada da ambulância e ninguém informou a secretaria da escola, ninguém ouviu nada, não se falou do acidente entretanto? Ninguém deu pela presença da ambulância? Ninguém contactou com a portaria a perguntar o que se passava? Estavam à espera que fosse eu, ainda que coxa, que fosse dar a notícia aos serviços administrativos escolares e perguntar o que era necessário para me deslocar ao hospital? (Os mais perversos dirão que quem tem necessidade é que anda. Estes, quando morreram e tiverem necessidade de ser transportados, estão, de certeza, à espera de organizar o seu funeral.) No hospital, ao que parece, há um documento para as escolas públicas e privadas. Ninguém me perguntou se trabalhava numa escola pública ou privada, nem ninguém me falou da diferença entre os documentos. E não era por falta de tempo ou excesso de trabalho porque a sala de espera tinha meia dúzia de doentes à espera de consulta. Enviei para a escola, por e-mail, duas fotos do documento para que a escola as reenvie para o hospital, para que enviem o documento certo. E tudo isto tem de ser feito com rapidez, porque o prazo de entrega dos documentos necessários (que não é muito) tem de ser cumprido.

Estive toda a manhã à espera do contacto da enfermeira que pediu o meu contacto telefónico e de e-mail. Nada! Desde as 12:30 que estou a tentar contactar aquele centro de saúde onde estive na véspera. Nada. Não há ninguém que atenda o telefone. 12:56. Estou a tentar novamente. O mesmo resultado. Se não tiver notícias do centro de saúde, tenho de chamar um táxi para me levar de novo ao centro de saúde, para resolver este assunto.

13:03 Atenderam o telefone. Muita gente, foi a explicação. E o telefone não dá sinal de linha ocupada. Afinal, a enfermeira é uma senhora do balcão, vestida como enfermeira! Já falei com ela. Ainda não conseguiu resolver o problema, pelo que não tinha telefonado. E o relógio continua a avançar.

Que espécie de sistema faz o doente correr de um lado para o outro, tentando resolver os aspetos administrativos relacionados com a doença?

Fátima Nascimento