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Fact Check Madeira

Será que a Madeira já “parece Joanesburgo” em termos de criminalidade?

Judiciária e PSP na investigação a um homicídio ocorrido no Caniço, em Maio de 2020.
Judiciária e PSP na investigação a um homicídio ocorrido no Caniço, em Maio de 2020.

Ontem, um jovem turista, de 19 anos, foi esfaqueado quando caminhava na Praça do Povo, no centro do Funchal, tendo sido socorrido pelos Bombeiros Voluntários Madeirenses e pela EMIR e ficou internado no hospital. Os contornos deste incidente ainda não são conhecidos. Não se sabe, por exemplo, se os ferimentos resultaram de alguma agressão ou de uma tentativa de furto violento. No entanto, o episódio suscitou dezenas de comentários nas redes sociais, com alguns cidadãos alarmados com o aumento da criminalidade violenta na Madeira e a dizer que o nosso arquipélago já “parece Joanesburgo”. Será mesmo assim?

De facto, nas últimas semanas, foram noticiados vários casos de pessoas feridas com arma branca. O caso mais grave ocorreu na madrugada de 4 de Fevereiro, no arraial do Campanário, quando o ex-militar Artur Sousa, de 36 anos, foi esfaqueado mortalmente por um seu conhecido, com quem tinha divergências antigas. O alegado homicida foi detido e está em prisão preventiva.

No mesmo dia, houve outro caso de uma pessoa ferida com arma branca, junto a um bar na Estrada das Eiras (Caniço). A vítima, de 24 anos, teve de receber tratamento hospitalar. Mas veio apurar-se que se tratou de um caso de automutilação, relacionado com problemas do foro psiquiátrico.

Já a 8 de Fevereiro, verificou-se uma situação com contornos criminais. Um homem foi vítima de esfaqueamento na barriga quando se encontrava na Estrada Comandante Camacho de Freitas e teve de ser conduzido ao hospital. Por aparentemente se ter tratado de uma agressão, a PSP foi chamada a intervir. Na madrugada de 11 de Fevereiro, junto a uma discoteca na Avenida Sá Carneiro, dois amigos, de 32 e 36 anos, ficaram feridos após uma agressão com ‘arma branca’. Os contornos do caso também ficaram por apurar, mas o JM associou a ocorrência ao elevado consumo de bebidas alcoólicas.

São cinco situações de violência em menos de duas semanas, mas apenas em três há confirmação de suspeita de crime. É um indicador que deve merecer preocupação e atenção das autoridades mas não chega para avaliar e descrever a realidade da criminalidade na Madeira. Para isso, há que deitar mãos aos dados estatísticos.

O Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referente a 2023 só deverá ser publicado no final do próximo mês. O RASI de 2022 mostra que a Madeira registou aumentos significativos face ao ano anterior, tanto nas participações às polícias (mais 22,4%) como na criminalidade violenta e grave participada (mais 52%), quando a nível nacional estes indicadores subiram 14,1% e 14,4%, respectivamente.

Há que ter em conta que estes números surgem após um período atípico, em que a vida social e económica foi muito condicionada pela pandemia de Covid. A comparação do ano de 2022 com o ano anterior à pandemia (2019) mostra uma evolução menos drástica. Nesse período, consta-se que as participações aumentaram 2,6% e 2,5% na Madeira e no todo nacional, respectivamente. Já a criminalidade violenta, aumentou 10,2% na Madeira e diminuiu 7,8% no país.

Apesar desta evolução desfavorável, os indicadores estatísticos de 2022 mostram que o número de crimes por habitante na Madeira (taxa de 26,9 ‰) é inferior à média nacional (32,8 ‰). Aliás, apenas a região Norte (25,8 ‰) apresenta taxa de criminalidade inferior à da Madeira. De acordo com as informações do Instituto Nacional de Estatística (INE), baseados em dados apurados pelas autoridades de segurança, a Madeira apresenta uma taxa de crimes contra a integridade física (5,9 ‰) ligeiramente mais alta do que a média nacional (5,3 ‰ ). Onde faz mesmo pior figura é no crime de condução de veículo sob o efeito com álcool. Aí o nosso arquipélago é ‘campeão’ nacional, com uma taxa (4,1 ‰) que é quase o dobro da média nacional (2,1 ‰).

No nosso país, entre os anos de 2017 e 2020, em média ocorreram 77 homicídios por ano. Na Madeira, a média ronda os 2 ou 3 homicídios por ano. Numa lista elaborada pela Agência da ONU contra as Drogas e o Crime (UNODC), Portugal aparece entre os países com baixa taxa de homicídios, com 0,8 homicídios por cada 100 mil habitantes, com uma taxa muito próxima da que se verifica na Madeira. A Europa e a Oceânia são os continentes menos violentos, ao passo que a situação inversa ocorre em África e na América, sendo que neste último continente Canadá e Chile constituem excepções positivas. Nesse ‘ranking’ com 206 países/territórios, a Jamaica, Ilhas Virgens e África do Sul surgem como os três países/territórios com mais homicídios em termos proporcionais com as respectivas populações, todos com taxas 50 vezes superiores à do nosso país.

Quanto às cidades (fora de zona de guerra) mais violentas, as dez com pior taxa de homicídio situam-se no México (Colima, Zamora, Ciudad Obregón, Zacatecas, Tijuana, Celaya, Uruapan, Ciudad Juárez e Acapulco) e nos EUA (Nova Orleães). Nessa lista, a cidade sul-africana de Joanesburgo está na 34.ª posição, com uma taxa de 41,3 homicídios por cada 100 mil habitantes. É cerca de 50 vezes mais do que a taxa portuguesa.

Por isso, há que concluir que a criminalidade violenta na Madeira sofreu um aumento nos últimos cinco anos mas não tem qualquer comparação com o que se passa noutras geografias bem mais perigosas.

“Se continua assim, vai chegar uma altura em que não se vai poder sair de casa (….). Parece que estamos numa Joanesburgo” - Comentários no Facebook