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Fact Check Madeira

O percurso pedestre entre o Monte e o Bom Sucesso está sinalizado?

O trilho entre as Babosas e o Curral dos Romeiros apresenta alguma sinalética, com a indicação da distância a percorrer e o desnível altimétrico, com perfil traçado. 
O trilho entre as Babosas e o Curral dos Romeiros apresenta alguma sinalética, com a indicação da distância a percorrer e o desnível altimétrico, com perfil traçado. , Foto ML

No passado sábado, dia 13 de Janeiro, duas turistas tiveram de ser socorridas por uma equipa de resgate em montanha dos Bombeiros Voluntários Madeirenses, num percurso pedestre, no concelho do Funchal. Mesmo com um alerta laranja em vigor para a chuva, as duas estrangeiras aventuraram-se no trilho que liga o Bom Sucesso ao Largo das Babosas e ao Curral dos Romeiros.

Nas redes sociais, além das muitas críticas à decisão das turistas em percorrerem o referido trilho num dia de mau tempo, um internauta, num comentário, diz ser este “o caminho mais óbvio e curto com sinalização para o Funchal”, para quem sai do Teleférico do Jardim Botânico.

Turistas arriscam fazer levada com chuva torrencial

Equipa de Resgate em Montanha dos Bombeiros Voluntários Madeirenses teve de ser accionada

Andreia Correia , 13 Janeiro 2024 - 15:55

Mas será que o percurso pedestre está mesmo sinalizado? Foi isso que tratámos de verificar.

Diariamente, sobretudo em dias de bom tempo, são muitos os turistas que preferem chegar ao Monte a pé. Um dos percursos que continuam a escolher, testemunha quem mora das proximidades do Bom Sucesso, é a Levada do Bom Sucesso que permite chegar ao Caminho Reverendíssimo Padre Eugénio Borgonovo.

Actualmente, o percurso está encerrado, embora não conste qualquer informação em qualquer dos seus acessos, como já aconteceu no passado.

Junto à entrada pelo Bom Sucesso existe um sinal de trânsito a proibir a circulação a peões. Já na entrada pelo Caminho Reverendíssimo Padre Eugénio Borgonovo, não só não existe qualquer informação sobre o encerramento do percurso, como também não há qualquer sinal a impedir ou a desaconselhar a passagem.

Ainda assim, quem se aproxima de qualquer uma das duas entradas não se apercebe dos eventuais perigos que este trilho pode oferecer. Em quase todo o percurso existem varandins a proteger do abismo e dos locais mais expostos. Os degraus, muitos ainda em bom estado, sugerem mesmo que o percurso é seguro.

E até há bem pouco tempo, já depois dos incêndios de 2016, com a recuperação do caminho que liga o Largo das Babosas ao Curral dos Romeiros, foi colocada sinalética para este trajecto de aproximadamente 1,5 quilómetros.

Nessa altura, foi também colocada uma placa a indicar o sentido ‘Bom Sucesso’, com mais 3,1 quilómetros de percurso, juntamente com uma outra informação que alertava para o perigo de realizar aquele trajecto com mau tempo. “Aviso: Prossiga por sua conta e risco. Consulte a previsão do tempo!”, podíamos ler na sinalética que existia pelo menos até Maio do ano passado.

‘Corredor Verde’ foi batalha no tempo de Albuquerque na Câmara

O percurso pedestre que serpenteia a margem esquerda da Ribeira de João Gomes, entre a zona do Bom Sucesso e o Largo das Babosas/Curral dos Romeiros foi uma das apostas de um dos executivos de Miguel Albuquerque quando este foi presidente da Câmara Municipal do Funchal.

O projecto, então designado por ‘corredor verde’, foi tornado público em Outubro de 1996, apontando-lhe “características idênticas ao Parque Ecológico”, quando Raimundo Quintal detinha o pelouro do Ambiente.

“O projecto passa por ligar, através de um percurso pedonal, a Vereda do Curral dos Romeiros até à zona dos armazéns da CMF e recuperar os diversos núcleos de vegetação indígena existentes ao longo do percurso”, escrevia o jornalista do DIÁRIO, a 21 de Outubro.

Para o efeito foram expropriados alguns terrenos que estavam ao abandono e foi proibida a construção nesse ‘corredor verde’, tal como amplamente noticiado à data. “Neste momento [Outubro de 1996] estão a ser ultimadas as ligações da cota 200 para a ribeira de João Gomes, que irão gerar ali novas acessibilidades. É natural que surjam, de imediato, pretensões a fazer por ali fora armazéns, explorações de pedra, britadeiras e coisas semelhantes. É isso, também, que queremos evitar”, afirmava o ambientalista e então vereador, ao DIÁRIO.

E acrescentava, justificando a escolha: “Por ali ainda há restos de antigas levadas, antigos caminhos e núcleos de vegetação indígena que queremos preservar. O que queremos é dar corpo efectivo a uma ideia antiga que é fazer um passeio que venha desde as Babosas até ao Funchal, mantendo ali um corredor verde”.

Sobre a posse dos terrenos, clarificava que “Há terrenos que são da câmara. Os outros vamos tentar negociar, através da compra ou da expropriação. Claro que não vamos entrar no terreno de ninguém à força. Vamos conversar com as pessoas e vamos pagar consoante as nossas possibilidades”, sustentava Raimundo Quintal, indicando que o projecto deveria contar com apoios comunitários, através do programa LEADER.

O percurso viria a ser oficialmente aberto em Março de 2000, por altura das comemorações da Semana da Árvore e da Floresta. Nessa mesma data foram promovidas exposições de fotografia a promover o local, bem como editada, pela Câmara Municipal do Funchal, uma brochura – ‘Passeio a pé do Monte ao Bom Sucesso’ – com coordenação do próprio Raimundo Quintal e que dava a conhecer as possibilidades de passeio que estavam disponíveis naquela zona. A par disso, a publicação continha informações sobre as várias espécies indígenas que podiam ser encontradas ao longo do trajecto.

O itinerário chegou a estar integrado num dos num dos denominados ‘Percursos Pedonais Recomendados’, o PR – 14 (Poço da Neve – Levada do Barreiro – Casa do Barreiro – Levada dos Tornos – Babosas – Curral dos Romeiros – Levada do Bom Sucesso), sendo ainda hoje visíveis alguns dos sinais – riscas horizontais amarelas e vermelhas - que foram utilizados na altura.

Ao longo dos anos o estado do percurso foi se degradando. O temporal de 20 de Fevereiro e os incêndios de 2016 aceleraram a destruição das estruturas, e, desde então, só pequenas intervenções pontuais têm evitado que mais acidentes, como o que aconteceu em Março desse mesmo ano, ainda antes dos fogos, que culminou na morte de um turista alemão, o quinto a morrer em três anos naquele percurso.

Na altura, comentando o trágico desfecho, Paulo Cafôfo, na qualidade de presidente da Câmara do Funchal, dizia que a Levada do Bom Sucesso era “perigosa e não deve ser recomendada”.

Desde então, o percurso não mais voltou a figurar no conjunto de percursos classificados que, à partida, garantem melhores condições de segurança. As manutenções são esporádicas e a sinalética acabou por ser retirada nos últimos meses.

Perante o exposto, considera-se a afirmação do internauta falsa, uma vez que a o percurso em causa não se encontra sinalizados. Apenas o troço entre o Largo das Babosas e o Curral dos Romeiros tem sinalética.

"Aliás, quem sai do Teleférico do Jardim Botânico é o caminho mais óbvio e curto com sinalização para o Funchal", diz um internauta num dos comentários à notícia do resgate do fim-de-semana. Mas estará o percurso para o Funchal sinalizado?