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Crónicas

O bom, o mau e os aborrecidos

É óbvio que Tolentino merece o prémio. Julgo que Pessoa também merece Tolentino

Provavelmente imbuída do espírito natalício, a Autoridade Tributária deixou caducar o IMI de mais de 160 barragens em todo o país. Mas no sapatinho das empresas que fizeram negócio com as barragens, ainda havia espaço para mais uma prenda. Para além do IMI, a Autoridade Tributária continua sem cobrar o IRC, IMT e o Imposto de Selo da venda de seis barragens do Douro. Experimente atrasar-se um dia no pagamento do IMI da sua casa e rapidamente perceberá que há dois tipos de contribuintes: os que pagam e os que caem no esquecimento.

O bom: Cardeal Tolentino Mendonça

Escasseiam as palavras para descrever quem as usa, tão delicadamente, como Tolentino. Poeta, escritor, professor, padre, cardeal e – no ano de 2023 – vencedor do Prémio Pessoa. Não lhe faltam títulos, prémios, reconhecimentos e homenagens, que talvez apenas sejam superados pela forma como o agraciado os relativiza e diminui. Não por sobranceria ou ingratidão, mas pela constatação desarmante que o reconhecimento não é oferecido ao mensageiro mas à mensagem, não é destinado ao pensador mas ao pensamento. Talvez por isso este prémio lhe assente tão bem, quase feito à medida da sua humildade e da generosidade da sua palavra. Não só por ter levado a poesia de Fernando Pessoa ao retiro de Quaresma do Papa e a ter incluído nos seus exercícios espirituais, mas também por ser, ele mesmo, poeta que reza versos de Alberto Caeiro. Tolentino é embaixador de uma Igreja em mudança, à procura de uma nova forma de estar, mais corajosa e menos imobilista, mais popular e menos clerical. Mais do que a Igreja, o mundo precisa de mais homens assim, capazes de, em poucas palavras, tocar no cerne de tudo. Quando fala de política como causa que exige dos seus agentes, dádiva, solidão e sacrifício e, por isso, merece reconhecimento da comunidade. Ou quando nos alerta para o perigo de uma vida desmaterializada, vivida a um ritmo frenético, e nos convoca para a importância de uma aliança ousada entre ciência e religião. É óbvio que Tolentino merece o prémio. Julgo que Pessoa também merece Tolentino.

O mau: Parpública

Caiu em 2021, à conta de um Orçamento do Estado. Mas só esta semana soubemos o que se fez, e o que se tentou fazer, para manter viva a geringonça e, com isso, dar continuidade ao governo do PS. Entre 2020 e 2021, o Governo, através do Ministro das Finanças, deu ordens à Parpública para comprar uma participação de até 13% dos CTT. Dito assim, parece uma opção política discutível mas inofensiva. A Parpública detém participações em várias empresas privadas e recebe, enquanto sociedade de capitais exclusivamente públicos, indicações da sua tutela política para operações semelhantes. O problema é que a ordem para comprar ações foi dada para garantir o apoio do Bloco de Esquerda e do PCP na aprovação do Orçamento do Estado para 2021. Não é segredo que bloquistas e comunistas fantasiam com a nacionalização dos CTT. Todavia, saber que a gestão das empresas públicas esteve ao serviço da estratégia de sobrevivência do governo do PS é inquietante. Pior mesmo é perceber que essa estratégia beneficiava da complacência do Bloco e do PCP, transformados em vendedores de votos numa feira de saldos para a aprovação de sucessivos Orçamentos do Estado. Se dúvidas houvesse quanto à transparência de toda a situação, basta relembrar que as ações dos CTT não constam da carteira de participações da Parpública e toda a operação de aquisição foi feita em sigilo. Chegados a 2024, nada de novo. O Bloco não sabe de nada, o PCP sabe mas não considera relevante e Pedro Nuno Santos, o alegado mandante da operação de charme à esquerda, apesar de tutelar o sector, passou a batata quente para as Finanças. Seja com aviões, comboios, aeroportos ou correios, o que nunca muda é quem paga estes caprichos ideológicos. Todos nós.

Os aborrecidos: António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa

Ao todo foram pouco mais de 15 minutos. António Costa ficou com a mensagem de Natal e Marcelo Rebelo de Sousa dedicou-se à mensagem de Ano Novo. Costa, primeiro-ministro a prazo, aproveitou a oportunidade para um exercício de auto-elogio a oito anos de governação. O auto de absolvição do primeiro-ministro, sob a forma de conto de Natal, desenhou um país idílico, onde os serviços públicos funcionam, os cidadãos confiam nas instituições e os problemas são meras notas de rodapé. Na mensagem de despedida do primeiro-ministro, a única nota de relevo é a de ter sido a última. Não se pense, no entanto, que Marcelo esteve melhor. Não esteve. À conta do ano novo, o Presidente da República terá feito uma das piores intervenções do seu consulado. Falou sobre tudo – guerras, política internacional, pandemia, inflação, democracia – e acabou a dizer muito pouco. Marcelo perdeu-se na prudência quando o que se lhe pedia, especialmente num ano com três eleições, era uma palavra sobre o futuro do País. Ao Primeiro-Ministro e ao Presidente, faltou convicção e vontade para tornar as mensagens de Natal e Ano Novo em algo de relevante. O primeiro optou por fantasiar sobre um País que não existe, o segundo dedicou-se a um enfadonho exercício de retórica. Ambos foram aborrecidos. E para discursos aborrecidos, já bastam os que se fazem ao longo de todo o ano.