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O Governo da República dá 3,8 milhões para a Cultura na Madeira?

No conjunto dos apoios às artes, disponibilizados pelo Ministério da Cultura, a Madeira vai receber “3 milhões e 800 mil euros”, afirmou o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, durante a visita à Madeira na semana passada. Embora o valor global anunciado esteja correcto, o governante não explicou que as verbas diferem conforme as entidades, que se distribuem por vários anos e que houve grupos regionais excluídos dos apoios
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A Madeira, no conjunto dos apoios às artes do Ministério da Cultura, vai receber “3 milhões e 800 mil euros”, afirmou na passada sexta-feira o ministro da tutela, Pedro Adão e Silva, à margem de um encontro com o representante da República para a Região Autónoma da Madeira, o juiz conselheiro Ireneu Cabral Barreto, que decorreu no Palácio de São Lourenço, no Funchal.

Segundo o governante da República,  "há cinco entidades que são apoiadas na Região Autónoma da Madeira no quadro do Programa de Apoio Sustentado da Direção Geral das Artes (DGARTES)”, precisando que o valor mencionado engloba o apoio à programação no contexto da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) ao Teatro Municipal Baltazar Dias. “É um crescimento muito significativo”, frisou o governante, lembrando que no quadriénio anterior, a Madeira “recebia cerca de 600 mil euros”.

Ora, na sequência das declarações de Pedro Adão e Silva, o DIÁRIO foi contactado por agentes culturais questionando não só os valores, mas também o teor das afirmações do ministro da Cultura.

Em primeira instância fomos verificar os valores anunciados, recorrendo aos documentos emitidos pela DGARTES.

E esmiuçámos os anunciados apoios que foram atribuídos a cinco (5) entidades da Região no último concurso DGARTES e ainda à RTCT:

Dançando com a Diferença – 1 milhão e 600 mil euros (4 anos)

Porta 33 – 720 mil euros (4 anos)

APCA – 360 mil euros (2 anos)

Associação de Bandolins da Madeira – 360 mil euros (2 anos)

Teatro Feiticeiro do Norte – 240 mil euros (2 anos)

Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses para Teatro Municipal Baltazar Dias - 600 mil euros (4 anos)

Contas feitas, o valor global anunciado pelo ministro está correcto. Contudo,  Pedro Adão e Silva não explicou que as verbas atribuídas diferem conforme as entidades, que as ajudas se distribuem por vários anos e que houve grupos regionais excluídos dos apoios.

Ou seja, o governante não se referiu ao calendário, nem que estes apoios já deviam ter acontecido há 20 anos, aliás, como foi sendo defendido ao longo dos tempos pelos vários grupos/associações culturais da Região, pelo Governo Regional e a Assembleia Legislativa da Madeira (ALM), que fizeram sempre pressão para que houvesse um tratamento igualitário para todo o território nacional.

Por exemplo, a Associação Dançando com a Diferença vai receber 1 milhão e 600 mil euros, mas este valor é derramado ao longo de 4 anos, sendo que, noutro exemplo, a Associação de Bandolins da Madeira receberá 360 mil euros, mas para 2 anos.

E quando o ministro se referiu ao aumento dos apoios não explicou que o primeiro concurso DGARTES em que as entidades da Madeira puderam efectivamente concorrer foi em 2018, e que, à época, não se puderam candidatar a um valor a 4 anos, apenas para 2 anos.

E em 2020, devido à covid-19, o Governo da República não abriu novo concurso, mas, sim, replicou para o biénio seguinte os mesmos valores atribuídos em 2018.

Mais. No concurso de 2022 houve instituições regionais excluídas dos apoios. Por exemplo, na área do Teatro. Neste caso, foi a ATEF ‐ Associação Teatro Experimental do Funchal cuja candidatura foi rejeitada em 2022, ficando sem poder aceder a 240 mil euros em ajudas.

Outro exemplo, desta vez na área da Música: o apoio ao Estúdio 21 não foi aprovado, em virtude de apenas poder ser atribuído apoio às candidaturas que atinjam pelo menos 60% da pontuação final. O mesmo aconteceu com a ATEF, como já referido.

E há mais: dos 4 espaços que podiam estar na Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses só está o 'Baltazar Dias' que é de gestão municipal, porque os responsáveis não consideram especificidades de modelos de gestão das Regiões Autónomas (como os auditórios do Fórum Machico, MUDAS e ainda o Centro Cultural e de Congressos do Porto Santo). Isto é algo que prejudica objectivamente a concretização do propalado princípio da descentralização cultural no País.

Em suma, os apoios nunca deveriam ser uma excepção, mas, sim, serem algo normal, para que os grupos possam apresentar trabalho com consistência.

Conta satélite da Cultura 2018-2020 - Instituto Nacional de Estatística

As actividades culturais representaram cerca de 2,4% do Valor Acrescentado Bruto (VAB), em 2018 e 2019 e 2,3% em 2020;

Em 2018, a Cultura gerou um VAB próximo de 4,2 mil milhões de euros e abrangeu cerca de 133,6 mil empregos, representando 2,8% do emprego total;

Em 2018, o domínio mais representativo em termos de unidades culturais foi o das Artes do espectáculo (31,1%). O Audiovisual e multimédia e o Interdisciplinar destacaram-se pela sua importância relativa na estrutura do VAB (24,8%) e do emprego (22,5%), respectivamente. A Difusão / Marketing foi a função mais representativa na distribuição das unidades culturais (36,2%) e do VAB (34,1%), enquanto a Produção / Divulgação assumiu a primazia na estrutura do emprego cultural (33,5%).