Fact Check Madeira

As Levadas foram "a primeira grande obra de engenharia da Madeira"?

A construção das levadas na Madeira revela-se a primeira grande obra de engenharia na ilha da Madeira.
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A secretária regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, Susana Prada, foi, ontem, à cerimónia do Dia Regional do Engenheiro e afirmou que as levadas foram "a primeira grande obra de engenharia da Madeira”. Mas será mesmo assim?

As Levadas foram "a primeira grande obra de engenharia da Madeira"

Susana Prada na cerimónia do Dia Regional do Engenheiro

Vejamos a definição de engenharia em dois dicionários: “Conjunto de técnicas e métodos para aplicar o conhecimento técnico e científico na planificação, criação e manutenção de estruturas, máquinas e sistemas para benefício do ser humano; Ciência ou arte da construção (ex.: engenharia mecânica, engenharia militar, engenharia naval)” – Prineram; “Aplicação dos princípios científicos à exploração dos recursos naturais, ao projecto e à construção de comodidades e ao fornecimento de utilidades” – Infopédia – Porto Editora.

A primeira grande obra de engenharia em levadas, com documentação conhecida, que envolva engenheiros, é a da levada do Rabaçal, que começou na primeira década do século XIX. Antes, outras levadas foram construídas, mas não existe documentação que ateste o envolvimento de engenheiros. Um dos exemplos é a levada Ribeiro Frio – Caniçal, como refere Gaspar Frutuoso, no Livro Segundo das Saudades da Terra.

No entanto, à luz das definições transcritas, não é possível afirmar que, mesmo não envolvendo engenheiros de profissão, o que ainda assim pode ter acontecido, não se possa afirmar que é uma obra de engenharia.

Se se aceitar essa acepção de engenharia, é preciso considerar os poios da Madeira, que, muito antes das levadas, ainda que incrementadas por estas, existiam. “Na atualidade, resta apenas a obra de engenharia que são os poios, agora ligados por estrada, e o canto de Vieira Natividade em ‘Madeira: Epopeia Rural’. (Alberto Vieira in Aprender Madeira, consultado em 25.05.2019, por Carlos David da Silva Oliveira).

Mas, admitamos, com espírito académico, que só se pode considerar obra de engenharia aquela que, documentadamente, envolve o trabalho de engenheiros e nessa qualidade.

Nesse caso, a primeira levada a considerar, como referido, é a do Rabaçal, projectada no último quartel do século XVIII e executada na primeira metade do Século XIX.

Ora, nesse período, houve uma grande obra de engenharia realizada no Funchal, que, apesar de não ser candidata a património mundial, como acontece com as levadas, e de ter sido parcialmente destruída pelo Governo Regional, em nome da segurança da cidade, não deixa de o ser: as muralhas das ribeiras.

“No século XIX, os efeitos devastadores das aluviões, obrigaram a uma nova intervenção da Engenharia Militar na regularização das ribeiras, no sentido de estabelecer barreiras à violência desmedida da Natureza. Assim, após a aluvião de 1803 foi enviado à ilha o engenheiro Reynaldo Oudinot, coadjuvado e substituído pelo Tenente de Artilharia Paulo Dias de Almeida, com o objectivo de intervir nesse sentido” em História e Autonomia da Madeira, 2001 (coordenação de Alberto Vieira e colaborações de Abel Soares Fernandes, Emanuel Janes e Gabriel Pita”.

Antes disso, houve a intervenção de engenheiros em grandes obras na Madeira, nomeadamente, na engenharia militar.

“A defesa da ilha era uma necessidade premente, por isso, reactivaram-se os planos e recomendações anteriores no sentido de definir um plano de fortificação da cidade que pudesse acautelar qualquer ameaça. Assim tivemos na fortificação dois regimentos (1567 e 1572) e um novo mestre-de-obras, Mateus Fernandes, para encontrar soluções ajustadas de defesa. O plano completou-se no período de união das coroas peninsulares com a construção da Fortaleza de Santiago (1611-1621), do Castelo de S. Filipe do Pico (1602-1637) e o aumento do troço de muralha costeira.”

 “A incessante investida de corsários no mar e em terra firme obrigou à definição de uma adequada estratégia de defesa. No mar optou-se por artilhar das embarcações comerciais e a criação de uma armada de defesa das naus em trânsito. Em terra foi o delinear de uma linha de defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, para impedir o possível desembarque de intrusos.”

“A conjuntura política conturbada dos séculos XVIII e XIX condicionou a vida das populações insulares e obrigou à redefinição dos planos de fortificação e defesa. A resposta aconteceu através de diversas campanhas com a presença e intervenção de engenheiros fortificadores que conduziu a ao estabelecimento de uma rede de fortificações em todo o círculo da ilha onde a abordagem se tornava mais fácil. Só nos primeiros anos do século XVIII se alargou a linha de fortificação costeira aos portos e localidades das vertentes Sul e Norte. A partir de 1768 reforçou-se o sistema defensivo por iniciativa de Francisco Alincourt, que criou no Colégio dos Jesuítas uma Aula de Geometria e Trigonometria.”

Assim é falsa a afirmação de que as levadas foram a primeira grande obra de engenharia da Madeira, ainda que nenhuma outra seja candidata a património da humanidade.