Artigos

Cultura e Democracia

O acesso à cultura e as oportunidades de expressão criativa são importantes para garantir uma sociedade democrática

No dia 1 de março aconteceu na Madeira a Cimeira Mundial de Educação Artística 2023, que tinha como tema o “Património e Sustentabilidade: Ilhas Sustentáveis de Cultura e Educação Artística”. Este encontro reuniu centenas de investigadores, professores, artistas e outras tantas pessoas que querem mais e melhor pela cultura e arte. Mas esse objetivo não se faz sem vontade política. Essa vontade deve ser europeia, mas também nacional e local.

Como Europa, precisamos chegar a um compromisso com a Cultura. O primeiro compromisso deverá ser a execução da garantia dada, em 2016, a maior investimento e uma mobilidade cultural diferenciada para as regiões ultraperiféricas. A nível local estamos, ou devíamos estar, obrigados a financiamento direto às escolas para visitas culturais, bem como à atribuição de bolsas de estudo ou estágio em instituições culturais.

Por outro lado, não menos importante, precisamos de justiça tributária no setor cultural. Isto significa dizer não à dupla tributação e redução de impostos para as entidades que financiam a Cultura. O setor cultural e criativo europeu contribui para o crescimento económico, emprego, inovação e coesão social. Só na União Europeia é responsável por mais de 7 milhões de empregos. 30 milhões em todo o mundo. Os dados disponíveis indicam que 8,4 milhões de pessoas estão empregadas no sector cultural na UE (representando 3,7% do emprego total) e que é importante em termos de desenvolvimento económico, mas ainda está muito aquém do seu potencial. Temos agora um exemplo claro deste potencial com a gravação da saga Star Wars na nossa região.

A capacidade da cultura em fazer as regiões crescerem do ponto de vista económico e geração de empregos é indiscutível. Esta é uma perspetiva sobre a cultura que não pode ser negligenciada. Mas este não pode ser o único aspeto da cultura a ser considerado.

O ex-presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, afirmou que os artistas e criadores são as “jóias da coroa” da Europa. E são, de facto. Tanto antes como agora, defendo uma política cultural que sirva para estruturar e desenvolver uma verdadeira cultura democrática que não se baseie exclusivamente numa “indústria” cultural. A existência de “elementos criativos” não é suficiente para falarmos de cultura.

Houve um tempo em que “cultura” significava um conjunto de disciplinas que, segundo um consenso mais ou menos, definiam um património de ideias, valores, arte e conhecimento. O sucesso de uma política cultural passará por deixar um paradigma cultural subordinado ao consumo e ao politicamente correto. A cultura não deve ser uma “festa permanente”. Embora possa incluí-la, a cultura não pode ser reduzida ao entretenimento.

Hoje, esta “nova cultura”, que queremos o mais abrangente e acessível possível, esgota-se na diversão e no entretenimento dos seus consumidores. É uma “cultura de massa” ou “Mundo-Cultura”, como dizia Lipovetsky, que tudo inclui e onde tudo se equivale, sem qualquer critério de hierarquização. Uma cultura sólida é o que está na base da defesa e promoção dos direitos humanos, da igualdade de género, da democracia, do Estado de direito e, claro, do diálogo intercultural.

O acesso à cultura e as oportunidades de expressão criativa são importantes para garantir uma sociedade democrática, como guardiã da liberdade de expressão e igualdade. Julgo que a cimeira sobre a Arte e Cultura, como a que aconteceu no início do mês de março, com uma organização exemplar e dedicada, deverá ser um ponto de viragem no debate e nas representações sociais sobre os fins da Cultura.