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Monumentos motivam conversas no Mindelo em dias da centenária travessia do Atlântico

Foto FERNANDO DE PINA/LUSA
Foto FERNANDO DE PINA/LUSA

A busca pelo padrão desaparecido e a conservação de um obelisco, erguidos no Mindelo para assinalar a travessia aérea do Atlântico por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, motivam, no seu centenário, as conversas destes dias naquela cidade cabo-verdiana.

"É um ano em que penso que devemos ter mais atenção, para comemorar com mais calma, pensando que é uma viagem internacional, pensando na ciência, na aviação, na exploração astronómica. É uma mais-valia para quem quer explorar São Vicente numa perspetiva mais de turismo, comunitário e cultural, que passa também por este grande acontecimento local e de abrangência internacional entre três continentes: Europa, África e América", explicou à Lusa, no Mindelo, o historiador e docente na Universidade de Cabo Verde, Carlos Santos.

O hidroavião "Lusitânia", de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, fez história em 1922 ao ligar o Atlântico, mas a passagem dos "aviadores" por São Vicente permanece na memória daquela ilha cabo-verdiana. Além de ter sido a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, foi também o primeiro voo que Cabo Verde recebeu.

No final do dia 05 de abril de 1922, o hidroavião Fairey III D Mkll -- o primeiro de três usados naquela histórica travessia - amarou na baía do Mindelo, ilha de São Vicente, depois de uma viagem de 10 horas e 43 minutos para percorrer 1.572 quilómetros, desde as Canárias, que tinham sido a primeira paragem após a saída de Belém, Lisboa, em 30 de março.

Um marco que deixou algumas "pegadas" em São Vicente, na forma de monumentos, mas as condições destas obras preocupam os mindelenses, em especial o "Obelisco Gago Coutinho", que retrata a imagem de um pássaro, o qual acabaria por lhe assumir o nome popular, construído em pleno centro do Mindelo, junto à baía.

Por "despertar mais atenção", explica o historiador, "O Pássaro" leva a população a exigir uma melhor conservação do obelisco, apesar de ter recebido algumas obras de beneficiação desde a sua construção, na década de 1980. Contudo, hoje, as "fissuras" nas asas já são notórias e motivam preocupação, ameaçando a sua integralidade, admite Carlos Santos.

Segundo este académico, o Ministério da Cultura já manifestou a intenção de intervir no monumento, pelo que encara essa intenção com satisfação, pela importância do monumento e para não colocar em causa a segurança de quem ali circula.

Há cem anos, aos comandos do hidroavião seguiam Gago Coutinho, experiente cartógrafo da Marinha, e Sacadura Cabral, piloto com larga experiência, conhecimentos complementares e tidos como decisivos para o sucesso de uma viagem com, no total, cerca de 8.300 quilómetros, chegavam ao Mindelo.

Segundo os relatos da altura, os dois aviadores portugueses foram recebidos, triunfantes, pela população da ilha de São Vicente.

As autoridades municipais mandaram mesmo construir um padrão no local onde aportaram, na baía, e edificaram outro cerca de dez anos depois.

O Padrão da Pontinha, inaugurado em novembro de 1923, hoje desaparecido, admite o historiador, pode estar na posse de alguém, depois de ter sido removido ou então demolido nos anos 1950, quando foi construído o atual Porto Grande, naquela baía. Entretanto, Carlos Santos diz que recentemente a sua existência foi questionada, num encontro em que se discutia assuntos da ilha: "Tocou-se nesse ponto, acerca do padrão e de tentar encontrar o seu paradeiro".

Com o imponente obelisco de fundo, aquela área, junto à baía do Mindelo, ficou mesmo conhecida como a "avenida dos aviadores", tal foi a importância do feito de ambos, recebidos em 06 de abril de 1922 na Câmara Municipal da cidade, que se reuniu em sessão solene para os homenagear publicamente.

Em São Vicente, Gago Coutinho e Sacadura Cabral permaneceram mais de dez dias, em reparações do hidroavião "Lusitânia". A etapa seguinte foi curta, até à Praia, ilha de Santiago, e aconteceu em 17 de abril, com 315 quilómetros percorridos em pouco mais de duas horas. Pouco mais do dobro do tempo das ligações aéreas atuais, cem anos depois.

"Foram homenageados nesse dia [06 de abril de 1922] e ficou determinado que não se deixaria esta data, este evento, em branco, que tem algum significado, por estarmos a falar de uma travessia num hidroavião que ligou o Atlântico Norte ao Atlântico Sul", recordou Carlos Santos, acrescentando a decisão do município de então de erguer alguns monumentos para homenagear os dois aviadores.

De acordo com o investigador, este marco coloca São Vicente no centro do mundo e estes monumentos fazem parte das obras e da arte pública, que acabam por criar mais um elemento artístico na cidade.

Os dois aviadores deixaram Cabo Verde - ilha de Santiago - em 18 de abril de 1922 para o troço mais longo da viagem. Levaram 11 horas e 21 minutos para percorrer os 1.682 quilómetros até amarar no arquipélago de São Pedro e São Paulo, um conjunto de pequenos ilhéus rochosos do estado brasileiro de Pernambuco, mas ainda a quase 1.000 quilómetros da costa continental.

Ali trocaram para o Fairey N.º 16, batizado de "Pátria", mas este sofreu uma avaria no motor em 04 de maio, na viagem a caminho do arquipélago de Fernão de Noronha, e os aviadores foram forçados a amarar de emergência.

Já no terceiro hidroavião, o Fairey N.º 17, batizado "Santa Cruz", Gago Coutinho e Sacadura Cabral chegaram ao Rio de Janeiro em 17 de junho de 1922, o destino final.