Cartas de amor

O namoro de antigamente
Ao de hoje, se diferia
Não era tão de repente
Que tudo se conseguia

Era de outra bitola
O arranjar namorada
Gastava-se muita sola
E as pedras da calçada

As cartinhas de amor
Eram mensagens de então
Confiadas a um portador
Entregues de mão a mão

Levavam todo o fervor
Que os corações sentiam
Em tão ardente calor
Neste contexto, se escreviam:

Maria vou-te escrever
Um punhado de letrinhas
Tenho tanto p’ra te dizer
Que tu nem adivinhas
Ando doido por te ver
E dar-te umas falinhas

Eu fui à missa a São Pedro
Pensando, que lá te via
Mas tu foste à missa cedo
Eu fui à missa do dia
Foi um domingo azedo
Aquilo não se fazia

Quando a noite cair
Aparece na janela
Passarei logo a seguir
Põe-te lá de sentinela
Para uns beijos a fugir
Sem ninguém dar por ela

Assobio do caminho
Na hora de eu chegar
Imitarei um passarinho
Sem teu pai desconfiar
Faz-me um sinalzinho
Quando eu puder avançar

Só a lua nos vai ver
E somente mais ninguém
Procurarei me esconder
Se eu pressentir alguém
Mas não venhas a correr
Não acordes tua mãe

Andam p’raí a dizer
Que eu te quero enganar
Amor, tu podes crer
É contigo que vou casar
Não quero outra mulher
Para levar ao altar

Eu vou para qualquer lado
No meu peito vais comigo
Sonho contigo acordado
A dormir, sonho contigo
Amar-te é o meu fado
Outra coisa não consigo

Tenho mais para te falar
Mas não serei atrevido
Por aqui vou terminar
Outro dia, então eu digo
Vão mil beijos pelo ar
Do teu Manel querido

José Miguel Alves