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Do Dia de Portugal… à pedagogia da Autonomia

O que é que o Dia de Portugal (de Camões e das Comunidades portuguesas, dito também das Forças Armadas, da Língua portuguesa e até do Anjo Custódio) tem a ver com a Autonomia? Nada. Não haverá forma mais simples de expor uma relação inexistente. Será prudente evitar misturar aquilo que, pela sua natureza, é imisturável. Não resistir a tal tentação fomenta equívocos e - mesmo com a melhor das intenções - contribui para obliterar o conhecimento sobre a História da Autonomia da Madeira.

A recente visita do PR tratou - e bem - de o comprovar. O próprio Professor Marcelo Rebelo de Sousa, académico, com a sua reconhecida inteligência e arguta sapiência, consciente de tal desligação, esquivou-se - o mais que pode - a associar o Dia de Portugal à Autonomia. Ao ponto de nem sequer ter feito - e muito bem, diga-se - qualquer alusão no seu discurso oficial à histórica conquista de madeirenses e açorianos. Até na Praça da Autonomia, onde decorreram as comemorações, a estátua e a bandeira, que a ela aludem, ficaram subjugadas, remetidas para as traseiras do palanque.

O Dia “de Camões” foi criação republicana (1880), em tempo de Monarquia, sob o pretexto de evocar a data da morte daquele poeta (1580). Mas foi também uma forma de apropriação, com intuitos políticos e como arma de arremesso contra o Regime e até a Igreja Católica. Na essência, projectava-se a construção de uma nova unidade nacional, sob o ideal republicano. Implantada, a 1ª República confirmou-o: impôs, pela primeira vez numa Constituição, a nação portuguesa como “Estado Unitário”, com evidentes intuitos centralizadores, e consagrou a data como o feriado nacional que o comemorava.

Foi este espírito - unitário e centralizador - que o “Estado Novo” elevou aos píncaros, anexando-lhe uma componente rácica e acrescentando-lhe o domínio colonial, ao considerá-lo (1963), em plena Guerra, dia das Forças Armadas.

Com o “25 de Abril”, parte deste espírito começou a alterar-se, mas deve saber-se que nada se fez de imediato. Na verdade, só a ideia de Raça (já então há muito estapafúrdia) desapareceu, dando justo lugar às Comunidades Portuguesas (1977).

Ou seja: num período atribulado, já de pós-PREC, persistiu a opção pela defesa inequívoca de uma ideia de Estado Unitário. Aquela que sempre estivera subjacente ao Dia de Portugal, desde a sua génese. Porque é a essência da comemoração do “10 de Junho” e daquilo que representa.

Há problema nisso? Claro que não, pelo contrário. A celebração é importante para comemorar Portugal - continental, atlântico e diaspórico -, assim como a unidade do Estado e dos seus valores, hoje actualizados. Só não tem é nada a ver com a conquista da Autonomia e do Regime Autonómico, consagrado em 1976.

A celebração da Autonomia, para além dos seus espaços, tem também os seus tempos próprios, a merecer promoção e celebração singular, sem submissão a outras datas comemorativas relevantes. Assim se evita o risco, desnecessário, de se diluírem (desperdiçarem?) ideias certas… em tempos errados.

Dito isto - por quem estuda a Autonomia há três décadas - compete acrescentar que é sempre agradável assistir à publicação ou reedição de textos sobre tal tema (e problema).

Dos eventos associados ao Dia de Portugal emergiu a reedição de um conhecido texto de M. Pestana Reis (estudado desde a década de 80), publicado em 1922, sob o título “Regionalismo - A Autonomia da Madeira”, que por sua vez resultou da revisão de uma proposta, designada de “Bases duma mais ampla Autonomia administrativa”, originalmente apresentada perante uma assembleia magna de madeirenses. Um texto importante, sem dúvida, o qual, como muitos outros, aliás, continua a exigir estudos aprofundados e edições críticas, que permitam uma divulgação diligente.

Mas tudo isso - e outras coisas que se disseram num par de dias - já é outra História.