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Ampliação do Molhe da Pontinha

Infelizmente, as obras marítimas (a Madeira tem já amarga experiência delas) são um pouco como as previsões meteorológicas

A ampliação do molhe da Pontinha parece reunir o consenso dos dois maiores partidos políticos da Região. As divergências incidem apenas no quando e no como: quando construir e como financiar. Um dos argumentos favoráveis à ampliação é o do aumento dos postos de acostagem – abrigar navios de cruzeiro em maior número e em maior tamanho. A este argumento acresce um bónus: a protecção conferida pelos 400 metros de extensão da pontinha possibilitará, finalmente, a acostagem no cais 8 – inutilidade resultante de uma das mais desastradas obras de hidráulica feitas na história do Funchal. Infelizmente, as obras marítimas (a Madeira tem já amarga experiência delas) são um pouco como as previsões meteorológicas: nem sempre resultam naquilo que se espera e, no pior dos casos, podem até culminar no enterro político de quem as promove. Estas não são, todavia, as únicas razões que nos devem levar a exigir que esta obra, antes de executada, seja maduramente pensada. Há que ouvir não só as engenharias marítimas, mas também urbanistas, historiadores, paisagistas e economistas. Isto se houver interesse em evitar uma repetição da muralha de tetrápodes que hoje enfeita a frente marítima da cidade entre o cais 8 e o Forte de Santiago, ou a floresta de vigas que cobriu a Ribeira de Santa Luzia onde dantes havia buganvílias e turistas. Mas o que significa, numa obra destas, pensar antes de fazer? Em primeiro lugar uma profunda reflexão sobre quem somos, o quanto precisamos crescer (será que precisamos?) e o que nos distingue da chamada “concorrência” (e aqui um pequeno aparte destinado aos deslumbrados que tomam as Canárias como bitola: no Funchal, para termos uma extensão de acostagem idêntica à de Las Palmas, teríamos que ampliar o cais da Pontinha até a piscina do Galo Mar). O turismo de cruzeiros é hoje (deverei dizer “era ontem”?) o novo turismo de massas. É no terreno das massas que a Madeira quer competir com os arquipélagos vizinhos? Estas são, todavia, reflexões inúteis. Representados pelas duas forças políticas maioritárias, os habitantes da cidade já decidiram: o molhe da Pontinha é para ampliar. Resta-lhes, portanto, exigir que se façam não só os necessários estudos técnicos (agitação marítima, padrão dos assoreamentos, modelos tridimensionais das infraestruturas portuárias e fluviais, etc.) como também os estudos de impacto ambiental e paisagístico. Fatores dificilmente quantificáveis, como a relação visual e espacial com o mar que todas as cidades marítimas tecem, terão de ser tidos em linha de conta para que não venha a acontecer o que aconteceu em Santa Cruz do Tenerife: no lugar outrora ocupado pelo Castillo de San Cristóbal (que corresponde ao nosso Palácio de S. Lourenço) foi criado um lago artificial. Para quê? Para substituir o oceano e a linha do horizonte, há muito engolidos pelas construções portuárias. Não há, naquela cidade, quem não tenha consciência do ridículo...