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Corrupção: uma chaga no País e na Região

Alguém duvIda que a corrupção é um dos principais problemas no desenvolvimento da Madeira nas últimas décadas?

A leitura da decisão instrutória do mega processo da Operação Marquês desencadeou naturais reações por parte da opinião pública de todos os quadrantes, tendo em conta a importância e dimensão do mesmo, e as pessoas envolvidas: ex governantes, banqueiros, importantes empresários e gestores. Ao longo dos últimos 7 anos, desde que José Sócrates foi preso em Lisboa, que assistimos ao desenrolar deste processo na praça pública e na comunicação social, e haverá certamente mais certezas do que dúvidas na cabeça da maioria das pessoas relativamente aos factos do processo e a cada uma das personalidades envolvidas.

O facto dos vários crimes de corrupção não terem sido pronunciados por questões processuais e de eventual prescrição dos mesmos, reforça indubitávelmente a desconfiança que os cidadãos têm no sistema judicial, e torna incompreensível este processo em concreto, o mais mediático da última década, onde houve a constituição de 28 arguidos acusados de 189 crimes, mas foram agora apenas pronunciadas 5 pessoas num total de 17 crimes a irem a julgamento. Algo não bate certo.

Convém, no entanto, também lembrar o processo não acaba aqui, sendo que é público que haverá recurso do Ministério Público para o Tribunal da Relação de Lisboa, e poderá haver julgamento dos crimes que agora não foram assim decididos pelo juiz da instrução. A justiça fará o seu caminho neste caso, que quem cometeu crimes seja julgado, tenha oportunidade de se defender, e que se cumpra a devida sentença se assim for a decisão.

O problema deste caso é que sublinha uma das principais chagas da nossa sociedade, replicada a vários níveis, que é o fenómeno da corrupção e a dificuldade na sua prevenção, combate e condenação. Como escreveu o diretor da Sábado, Eduardo Dâmaso esta investigação “para lá da valoração jurídica, levantou factos conspícuos, lógicas clientelares, uma apropriação por interesses privados de setores vastos e ricos do Estado, formalismos inquinados de blindagem da decisão política delinquente pela própria lei, cumplicidades de toda a espécie, inclusive judiciais, suscetíveis de forte censura social e penal, um vasto rol de questões que golpeiam profundamente a qualidade da democracia”.

Pessoalmente considero que é necessária uma ampla reforma na Justiça, não para aumentar a burocracia, os níveis e subníveis de decisão, e a multiplicação legislativa que apenas serve para dificultar o trabalho de todos os agentes judiciais, mas sim para providenciar mais meios e mais financiamento aos órgãos e instituições envolvidos, para que a investigação da corrupção seja verdadeiramente eficaz, e que todo o processo judicial decorra em prazos razoáveis, credíveis e sérios.

E não estarei aqui com falinhas mansas: os políticos estão no centro das dificuldades criadas à justiça. Seja por estarem diretamente envolvidos no próprio fenómeno do favorecimento e corrupção, seja por serem os responsáveis pelos bloqueios legislativos ao combate e controlo da corrupção, que não é novo e que infelizmente se não houver vontade política continuará a desmando de diversos interesses, particularmente os empresariais. O PS e o PSD como partidos de poder são particularmente responsáveis pelo estado a que chegámos.

De acordo com Luís Sousa, antigo presidente da associação Transparência e Integridade, ao longo das últimas 13 legislaturas houve 127 projetos de lei aprovados na Assembleia da República sobre corrupção, financiamento político, declarações patrimoniais e incompatibilidades, 10 as propostas de lei dos governos, mas apenas 47 leis foram efetivamente aprovadas.

De acordo com o Índice de Percepção da Corrupção da Transparency International, a mais antiga e abrangente ferramenta de medição da corrupção no mundo, analisando os níveis de corrupção no setor público de 180 países e territórios, Portugal está na 33.ª posição do ranking, sendo assim interpretado como um país mais corrupto do que a média da União Europeia e da Europa Ocidental. Esta posição referente a 2020 é a posição mais baixa de sempre do nosso País, o que significa tão e simplesmente que a prevenção e o combate à corrupção no nosso País tem enfrentado cada vez mais dificuldades, e envolve no seu grosso a administração e contratação pública.

Isto é assim na generalidade do País, bem como na nossa Região. Alguém dúvida que a corrupção é um dos principais problemas no desenvolvimento da Madeira nas últimas décadas? Alguém dúvida das redes clientelares que sustentam uma variedade de negócios e sectores, e a influência que determinadas empresas privadas têm nos decisores regionais? Alguém duvida da promiscuidade, do favorecimento e diversos casos de enriquecimento ilícito de atores políticos e gestores públicos na Madeira? E quantos destes casos, muitos deles alvo da vox populi e “conversas de café”, foram efetivamente denunciados, investigados e acusados, já para não dizer condenados? Tal facto traz também a importante e premente necessidade de uma cultura de denúncia, de cidadania ativa para que se investiguem casos suspeitos com rigor, sempre que existam bases concretas e fortes suspeitas.

Temos um ex primeiro ministro que é apanhado em flagrante no meio de um fluxo inacreditável de transações financeiras e negócios cuja justificação é aos olhos do comum mortal incompreensível, acusado de diversos crimes de corrupção. Temos um presidente do governo regional em exercício que é alvo de buscas domiciliárias, e alvo de investigação igualmente por diversos crimes de corrupção envolvendo a maior concessão pública da Região, e a venda de património imobiliário tendo-se tornado de um momento para o outro o 8º político mais rico de Portugal.

À justiça o que é da justiça, à política o que é da política…