Burocratas e lacaios

No dia 30 de manhã, deparei com uma situação preocupante na zona do Imaculado Coração de Maria. Ao lado da Junta de Freguesia estava a ser colocado um posto de fogo de artifício, incrivelmente próximo de uma fileira de casas abandonadas e degradadas e de algumas casas habitadas.

Passei literalmente o dia a tentar resolver a situação. Emails para o Presidente do Governo e mensagens que (em princípio) terão sido entregues à sua secretária. Divulgação do problema na imprensa, com fotos do local. Falei com o Presidente da Junta de Freguesia que, como pessoa consciente, também estava preocupado com a situação, mas não a podia resolver.

A meio da tarde recebi um telefonema da Directora Regional do Turismo. Com a condescendência habitual nessas pessoas, informou-me que não havia qualquer perigo, que o fogo naquele local seria muito fraco, e que de qualquer forma havia seguros. Pedi-lhe para enviar ao lugar alguém com um pouco de bom senso (técnico ou não), porque o perigo de incêndio e de danos causados pela trepidação era evidente. Sugeri-lhe que se deslocasse ao lugar para o verificar (e, obviamente, travar o processo). Tentei explicar-lhe que, além do respeito devido às pessoas no seu local de residência ou trabalho, havia numa das casas alguns milhares de livros que nenhum seguro poderia compensar; a mulher, que poucas vezes na vida deve ter aberto um livro, nem percebeu do que eu estava a falar.

No dia seguinte, a luta tornou-se mais difícil. O Presidente do Governo não se tinha dignado responder, as secretarias estavam fechadas. E aconteceu o inevitável. O fogo (que só um idiota ou alguém à distância poderia considerar fraco ou inofensivo) foi lançado no local. A família Perry Vidal, proprietária do terreno e que vive na zona (mas a uma confortável distância em termos de segurança) teve direito a um espectáculo pirotécnico na sua festa de final de ano. A tal casa repleta dessas coisas inúteis que são os livros sofreu danos. As casas degradadas não arderam, talvez por sorte; o fogo estava mesmo por cima delas e não houve nenhum carro de bombeiros destacado especificamente para aquele lugar.

Uma pergunta: Podemos confiar nestas pessoas em termos de segurança (o grande tema neste momento)? A falta de responsabilidade de alguns governantes e dos seus lacaios não é tão assustadora como o vírus que mudou as nossas vidas? Talvez o vírus, ao contrário do Governo Regional e da Câmara Municipal (estou a lembrar-me de uma outra situação relacionada com o mesmo terreno), não faça distinções entre governantes, famílias ligadas ao poder e nós outros, simples mortais. Por terrível que pareça, neste momento isso é quase um consolo.

Ana Pereira

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