Crónicas

O bom, o mau e o milionário

O céu é o limite, já que a honestidade não parece ser. E isso é o que mais desilude neste devaneio orçamental

Pela enésima vez, os fascistas chegaram a Portugal. Em 1975, estiveram no primeiro congresso do CDS, enquanto cá fora os democratas lhes adivinhavam a morte. Mais tarde, em 1979, Soares prometia que a vitória da AD seria o fim da democracia. Nessa altura, os perigosos fascistas eram Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Entretanto, também Cavaco Silva foi fascista, como Primeiro-ministro e, depois, como Presidente. Passos Coelho acumulou o fascismo com o salazarismo. Na verdade, consoante o dia ou o assunto, todas estas figuras, e muitas outras, continuam a ser fascistas. Até que, tantas vezes clamou a esquerda pelos fascistas, que eles finalmente apareceram. E a pergunta principal continua sem resposta. Porque é que há tantos portugueses com vontade de votar neles?

O bom: Vacinas para a COVID-19

Quinze anos. Foi o tempo que a ciência precisou só para identificar o vírus da gripe espanhola. A vacina apenas chegaria a toda a população, 27 anos depois dos primeiros casos. Cada um desses 27 anos, torna os curtos meses da corrida à vacina para a COVID-19 matéria de ficção científica. Ou, pelo menos, de fé absoluta na ciência. Enquanto assistíamos à publicação, em sucessão vertiginosa, como se de uma verdadeira corrida se tratasse, das taxas de eficácia das vacinas, esquecemo-nos da dimensão da impossibilidade que testemunhamos. Porque nos habituámos a que o mercado responda sempre, e cada vez mais rápido, à procura, ou, talvez, porque nos entregámos de tal forma à ciência, que nela depositamos a crença inabalável de guardar solução para todos os problemas. Se calhar somos um pouco dos dois, capitalistas e cientistas professos. Talvez seja esse apego à ciência que leva tantos a questionar algumas medidas preventivas aplicadas com o estado de emergência. Não que quem as tome o faça de forma mal-intencionada. Mas porque, tantas vezes, comunica as medidas sem a explicação técnica que lhes garante legitimidade. Redução do horário de funcionamento de centros comerciais, concentrando mais pessoas nesses espaços? Recolher obrigatório em casa e divulgação que 68% dos contágios são em meio familiar? Não se trata de discordar das medidas, apenas relembrar que a sua eficácia depende, diretamente, da sua compreensão pelas pessoas. Para isso, a ciência tem de ter um papel principal e a política secundário.

O mau: O apoio aos restaurantes

Não há dúvidas que o setor da restauração é o mais afetado pelas novas restrições. Já o tinha sido no primeiro confinamento. O encerramento forçado, a redução drástica de clientes, as limitações à capacidade das salas e esplanadas. E, ao mesmo tempo, as rendas dos espaços, os salários dos trabalhadores, as taxas e os impostos continuam, todos, por pagar. O que é que se diz a um empresário nesta situação? Uma coisa só. Que o Estado que o colocou nesta situação, que lhe continua a exigir impostos e contribuições, o vai ajudar. E perante um setor em colapso iminente, à beira do abismo, o Estado acena com um apoio máximo de 7.500€ para as microempresas. Não é um apoio, é um empurrão encosta abaixo! Como se isso não bastasse, o Governo ainda lhe junta um requinte de malvadez. O apoio corresponderá a 20% das perdas registadas, por comparação com a receitas entre Janeiro e Outubro. Ou seja, a comparação não é feita com um ano normal, mas com um ano de pandemia em que muitos restaurantes estiveram fechados. O que o Estado poupa no apoio, gastará em subsídios de desemprego. A mesma atitude teve a Câmara do Funchal, quando chumbou uma linha de apoio financeiro aos restaurantes da cidade. Inacreditável. Não é possível continuar a exigir mais, a quem pouco ou nada faturou nos últimos 8 meses.

O milionário: Carlos Pereira

1 milhão de euros. Foi quanto o deputado Carlos Pereira encontrou reservado para a Madeira no próximo Orçamento de Estado. Em bom madeirense, qualquer um fica alcançado. Não propriamente pelo valor, mas pela forma engenhosa como o deputado socialista lá chegou. Para atingir o milhão, Pereira junta dinheiro dos jogos sociais, redução dos juros, transferências da lei de finanças regionais, novo hospital, mobilidade, salário mínimo e layoff. Um verdadeiro paraíso na terra, escondido num orçamento. Para ajudar à contabilidade criativa, podia o deputado ter juntado outras verbas relevantes para a Madeira. O salário dos deputados madeirenses na Assembleia da República, os 1200 milhões de euros para a TAP, o custo do ornamental representante da República. Até podia ter acrescentado o custo para manter a emissão da RTP Madeira no ar. O céu é o limite, já que a honestidade não parece ser. E isso é o que mais desilude neste devaneio orçamental. É que Pereira não precisava de se esforçar tanto para justificar o que todos sabíamos – o seu voto favorável ao Orçamento. Pior ainda, foi ter criado uma confusão entre aquilo que são direitos da Região e a suposta simpatia do Estado. A mobilidade dos madeirenses não depende da boa vontade de qualquer governo. É um direito de quem vive na Região. As transferências da lei de finanças não dependem do humor dos governantes da República. O layoff e o salário mínimo não se aplicam à Madeira por opção do PS, mas porque ainda somos portugueses. A não ser que o esforço de Pereira tenha sido tal, que, no final, a Madeira ainda terá de devolver dinheiro ao Estado. Afinal, já estivemos mais longe de pagar para sermos portugueses.

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