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Embaixador israelita critica silêncio em Portugal perante aumento de anti-semitismo

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O embaixador israelita em Lisboa, Dor Shapira, condenou hoje as lideranças portuguesas pelo silêncio perante atos de antissemitismo em Portugal, apontando casos de vandalismo em locais de culto e ameaças à população judaica e exigindo medidas urgentes.

Numa cerimónia evocativa do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto e contra o Antissemitismo, realizada hoje ao início da noite na Sinagoga de Lisboa, o diplomata citou dados das autoridades de Telavive que dão conta do aumento de 500% de atos antissemitas nas primeiras três semanas após o início da guerra na Faixa de Gaza, em 07 de outubro, com destaque para Alemanha, França e Reino Unido, mas também em Portugal.

Segundo Dor Shapira, atos de vandalismo foram registados na Sinagoga do Porto, no Centro Cultural Judaico de Lisboa, em empresas ligadas a israelitas ou em universidades nacionais com protocolos com entidades de Israel.

"Continuamos a receber na Embaixada [de Israel] mensagens de medo de israelitas e de estudantes judeus de todo o Portugal. Tudo isto é antissemitismo", declarou, aludindo também a manifestações pró-Palestina com exibição de cartazes "comparando os judeus a lixo" e dizendo que "é preciso uma limpeza para tornar o mundo um lugar melhor para viver".

O embaixador israelita disse que estas manifestações estão cheias de crianças e questionou o que os pais estão a ensinar-lhes sobre o judaísmo, lamentando, por outro lado, que os filhos de judeus não participem em ações de solidariedade com Israel por medo e que "haja tanta segurança junto de sinagogas", mas que a mesma não seja necessária em mesquitas ou igrejas.

O diplomata também deplorou a ausência de vozes para travar manifestações de ódio, "ou pelo menos a condenar estes cartazes", incluindo líderes partidários e deputados.

"Deveria ser inconcebível assistir a um aumento do antissemitismo sob várias formas e não haver uma voz clara e sonora, da esquerda à direita, nas lideranças, a condená-lo abertamente, a ir às sinagogas, a reunir-se com as comunidades judaicas no momento em que acontece, a fim de lhes mostrar a solidariedade e a responsabilidade do país para com elas", afirmou.

Dor Shapira reconheceu que estas manifestações não representam o vasto conjunto da população portuguesa e que elas surgem dos seus extremos. Ao mesmo tempo, recordou que o "Holocausto não começou com a eliminação dos judeus, começou com palavras e vandalismo que conduziram à 'solução final'".

O antissemitismo "é a forma mais antiga e mais perigosa forma de racismo" e "ignorá-lo é apoiá-lo", comentou, defendendo que a sociedade portuguesa tem, em primeiro lugar de reconhecer e aceitar este problema "como se faz com uma dependência".

Para combater o antissemitismo, a solução passa também, segundo Dor Shapira, pela educação e pela lei, sendo "inaceitável que a liberdade de expressão não tenha linhas vermelhas", como os casos que apontou nas manifestações e também nas redes sociais: "Aqueles que apelam impunemente à destruição de Israel são protegidos pela mesma democracia com grupos maiores e mais legítimos de cada vez que o fazem", criticou.

"É urgente tomar medidas exemplares para nos afastarmos da boa intenção expressa apenas no papel, porque este é um momento em que a realidade nos ultrapassa", afirmou ainda o embaixador israelita, avisando que "a omissão é muito mais poderosa do que qualquer declaração".

No mesmo sentido, o presidente da Comunidade Israelita de Lisboa, David Botelho, enfatizou a importância de recordar o Holocausto para que nunca mais se repita, e observou que, há cerca de oito décadas, foi a extrema-direita que fomentou o antissemitismo e que atualmente é a extrema-esquerda.

"Vemos hoje que é na esquerda radical que o antissemitismo encontra pasto fértil para o seu preocupante crescimento", declarou David Botelho, que também pediu o reforço da educação das "gerações mais novas e das mais velhas" e alertou que Portugal está a ficar para trás nesta matéria.

"É preciso abrir os olhos para o antissemitismo", frisou o líder da comunidade judaica, referindo que Portugal necessita de uma nova estratégia nacional para este assunto, nomear rapidamente um novo coordenador, e "recuperar o tempo perdido no ano passado, em que absolutamente nada foi feito".

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, ou 'Shoah' em hebraico, coincide com o aniversário da libertação pelo Exército soviético do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, em 27 de janeiro de 1945 na Polónia ocupada pela Alemanha nazi, após a eliminação pelo Terceiro Reich de cerca de seis milhões de judeus.

Na mesma cerimónia hoje na Sinagoga de Lisboa, o secretário-geral da ONU recordou, através de uma mensagem por vídeo, que o genocídio contra o povo judaico, há cerca de oito décadas, "não começou com os nazis nem terminou com a sua derrota".

Atualmente e na sequência da guerra iniciada em 07 de outubro com um ataque sem precedentes do grupo islamita palestiniano Hamas em solo israelita, o ódio antissemita propaga-se "a uma velocidade assustadora" e, constatou António Guterres, as suas manifestações na Internet deixaram de ser marginais para se tornarem generalizadas.

"A negação e distorção do Holocausto proliferam e as comunidades sentem-se ameaçadas. Uma realidade que, além de ser um mal, é também um presságio", advertiu o líder das Nações Unidas, cuja demissão foi exigida pelas autoridades israelitas quando afirmou em outubro que os ataques do Hamas, que deixaram centenas de mortos em Israel, não aconteceram do nada", em alusão a décadas de "ocupação sufocante" da Palestina, ao mesmo tempo que condenava o ato terrorista do grupo palestiniano.

O mais recente conflito entre Israel e o Hamas foi desencadeado pelo ataque sem precedentes do movimento islamita palestiniano em território israelita, matando 1.140 pessoas, na maioria civis, e levando mais de 200 reféns, segundo números oficiais de Telavive.

Em retaliação, Israel, que prometeu eliminar o movimento islamita palestiniano considerado terrorista pela União Europeia e Estados Unidos, lançou uma ofensiva em grande escala na Faixa de Gaza, onde, segundo as autoridades locais tuteladas pelo Hamas, já foram mortas mais de 27.000 pessoas -- na maioria mulheres, crianças e adolescentes.

O conflito provocou também cerca de 1,9 milhões de deslocados (cerca de 85% da população), segundo a ONU, mergulhando o enclave palestiniano sobrepovoado e pobre numa grave crise humanitária.