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Crónicas

O Mundo por descobrir

A paz no Ocidente terminou. A minha geração, posterior ao 25 de Abril viveu maravilhosos anos de sossego. Provavelmente não nos demos conta disso por nos ser tão normal mas agora conseguimos perceber quão afortunados fomos. Com as guerras a estalar um pouco por todo o lado a insegurança grassa como nunca antes viramos. Isso faz-nos ou deve fazer-nos pensar sobre o nosso posicionamento, a relação com os outros e acima de tudo os comportamentos que devemos adoptar para não contribuirmos também nós para a criação de mais disputas e conflitos estéreis que apenas servem para nos cortar a tranquilidade e nos colocar perante novos problemas. Estávamos tão descansados em relação a tudo o que dávamos como certo que nunca nos vimos na situação de termos que ver a vida de uma outra forma. É um novo e enorme desafio que nos proporciona tal como todos os desafios uma oportunidade para nos reinventarmos e entendermos o que nos rodeia num outro formato. Para onde caminha a nossa liberdade e que opções podemos avaliar que nos tragam para uma espiritualidade diferente, que entregue mais ao nosso interior e nos transforme enquanto seres humanos.

Cada vez que venho a África, sinto, que o futuro passa muito por aqui. Com uma Europa decadente e os Estados Unidos completamente entregues ao consumismo desenfreado e a objectivos de vida superficiais é neste continente que encontramos os segredos mais bem escondidos que nos podem construir uma forma de estar mais leve. Gosto sobretudo de me perder pela Guiné Bissau. Já escrevi sobre isso nesse espaço de opinião e reforço sempre que aqui volto. Não há local deste planeta que mais me confronte com os meus medos, os meus sonhos e a minha esperança em relação ao futuro. Porque África tem sido sempre futuro e precisa de alguma forma também de passar a ser presente. Faltam coisas, educação, saúde e algumas necessidades básicas mas muito do que achamos faltar para além disso é apenas um lugar onde nos deixámos aprisionar julgando que não vivemos sem a parafernália de superficialidades que abundam no dia a dia. Aqui percebemos que quase tudo vale tão pouco. Percebemos também que o que nos faz feliz vai noutra direção. Aquela que nos faz descobrir as nossas emoções mas também o prazer de sentirmos que o estritamente necessário é tudo quanto precisamos.

Passear pelas ruas de Bissau, beber a cerveja mais fresca no renovado “Sporting”, falar com as pessoas que vamos conhecendo e partilhar momentos e conversas com as amizades que vamos construindo à mesa do restaurante Tábua. Viajar de barco até ao arquipélago das Bijagós e entrar onde a civilização tem que pedir licença no Dakosta em plena praia de Bruce. Absorver a energia do espaço limpo de ruídos visuais, percorrer a pé os extensos areais e viver as cerimónias tribais que por aqui ainda subsistem coloca-nos perante a simplicidade do que realmente queremos para nós e o que nos faz feliz. A magia do nada que é tudo. A natureza e as pessoas, os olhares e os afetos. É por aqui que aprendemos a viajar para além do que imaginamos. Respeitar o outro, sentirmos o calor da terra e a leveza do mar. O que é que afinal nos preenche? Que terra é esta que continua a ser futuro e que tanto apaixona quem aqui coloca os pés? Este mundo por descobrir que é mais do que um simples local onde aprendemos a preservar os recursos mas que procura o mais profundo que há em nós.