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Dormir com os ratos a fazer festinhas na cabeça

Sempre fui apologista de que as fardas devem ser usadas por quem as merece. Sejam elas de polícia, ou de Vigilante da Natureza. Vou ficar-me pelos primeiros, porque isto já me dá a volta ao sistema nervoso e tenho medo que o psiquiatra me aumente a medicação.

O Diário de 2 de Março refere que um Tribunal em Lisboa não levou por diante as queixinhas de alguns Polícias Marítimos sobre as condições em que viajavam de e para as Ilhas Selvagens. Que pena. Tive acesso à sentença e li-a cuidadosamente várias vezes. Senti vergonha alheia. Muita vergonha alheia. E senti pena dos capitães do porto arrolados como testemunhas, apanhados no meio da (trap)alhada.

Transportei-me no tempo e nas histórias que me contaram ao longo dos anos e tive, pela primeira vez na minha vida, vontade de ver ratos. Aos milhares. Só para dizer aos elementos da Polícia Marítima que se queixaram das condições de vida das Selvagens, que ainda muitos não eram nascidos e o velhinho Fernando Almada, o seu filho Filipe e o Jaques da Mata já iam lá passar fome, sem direito a arcas frigoríficas ou a armários para guardar comida, televisão, internet ou casa de banho, como hoje existe. Nas 21 viagens que fiz às ilhas, dormi no chão do navio, muitas vezes debaixo de uma mesa, com o Dr. Francis Zino e a esposa no mesmo espaço e não consta que qualquer de nós tenha sofrido de artroses por isso, nem quando uma onda mais brava nos atirava pelo ar e parecia que estávamos dentro de uma nave espacial com gravidade zero. E não recebíamos ajudas de custo. Nunca pagámos o que comemos e os vigilantes também não. Nem os policias marítimos.

Também ali dormiram cientistas, em viagens de trabalho não pago. Não entendo a baboseira desta gente que se queixa de ter um quarto com uma vista soberba, televisão e internet à borla, redes sociais e ainda recebe para isso. Durante três semanas, duas ou três vezes por ano e alguns deles menos do que isso, os coitadinhos têm direito a acordar e adormecer com o som do mar e dos pássaros, banho quente, condições de higiene, caminha e não têm de enfrentar filas intermináveis de trânsito para ir para o trabalho. Uma chatice. Até para um polícia que se diz “marítimo”.

Tenho pena de não o terem feito quando os murganhos faziam festinhas na cabeça dos vigilantes durante a noite, porque dividiam com ele os colchões no chão e roíam tudo o que podiam, incluindo comida e roupa. A oferta era pouca e a procura muita. Estamos a falar de 50 mil ratitos na Selvagem Grande, todos exterminados pelos velhinhos do então Parque Natural da Madeira, que vinham para a Madeira de três em três semanas, quando a Marinha os podia transportar. Ninguém morreu. Só tenho pena que os ratos tenham morrido. Dava jeito ter uns agora…