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A casa comum

1. Em 1976, com o advento da Autonomia os “madeirenses” viram reduzida a canga do esquecimento e ostracismo de séculos por parte do poder central. Esta terra só conheceu desenvolvimento, desde que os órgãos de governo próprio se foram consolidando ao serviço dos ilhéus, através dos seus representantes, numa autonomia, todavia limitada, por um Estado centralizador, que lambia as chagas ensanguentadas na escorrência dum império perdido e abruptamente largado à sua sorte em África. Temos um estatuto político-administrativo sacado a ferros, cujo processo autonómico permanece inacabado com taipais desengonçados, determinados pela metrópole. Depois de meio-século de Autonomia, podemos afirmar, com fecunda evidência, que os portugueses insulares não têm pleno direito, como os continentais. Como se não bastasse um tutor não-eleito denominado de Representante da República para acautelar a reserva legislativa dos indígenas e de uma Constituição anacrónica, debatemo-nos, com uma série de limitações legislativas que nos emperra entre outras reivindicações, o aumento da atratividade fiscal. Não bastaria o Atlântico nos aprisionar com a sua liquidez intransponível, para Lisboa com a sua visão macrocéfala e afunilada, determinar o reforço da assimetria dum país preso à órbitra da capital. Padecemos aqui, ainda hoje, um constrangimento estúpido na nossa mobilidade nacional, tanto aérea e sobretudo marítima. Invocamos na Madeira a economia digital como a panaceia da nossa competitividade e empregabilidade qualificada, mas, paradoxalmente limitamos na prática, a operação das plataformas digitais de transporte rodoviário da Uber e afins, em favor dum setor privilegiado e fossilizado cujas carripanas somam cansadas décadas de circulação. O teletrabalho só é válido para os nómadas digitais ou em ambiente pandémico, (pois, tanta chefia seria facilmente ultrapassada pela Inteligência Artificial). Acalentamos o advento da desmaterialização, mas exigimos montanhas de papéis para os reembolsos do Subsídio Social de Mobilidade, num exercício reverencial e humilhante, talvez, para dissuadir-nos de colher essas lentilhas atiradas ao chão. O tal chão virtual da continuidade territorial e da plena cidadania. Uma miragem.

2. A guerra está a tornar-se uma vizinha cada vez mais íntima. Instalou-se na nossa casa. Normalizámo-la. Tal como os “refugiados” das altas problemáticas da sociedade “digital” e atolada na inflação, que determina tanto enjeitado familiar e social nos corredores do hospital (valerá viver mais, sob rejeição sem opções sociais?). Há tantos defensores da Paz com casa arrumada e água quente, a discursar no modo Miss-Mundo. A Ucrânia é também a nossa “casa”, pois se a largarmos ao apetite alheio, a tal vizinha ousada expulsar-nos-á de qualquer pertença, até ficarmos todos reféns do esquecimento que eleva a Vida a um ardente desejo de Morte.