Fact Check Madeira

O Governo Regional já tinha equacionado a venda do Hospital Dr. Nélio Mendonça?

“A minha ideia relativamente ao Hospital Dr. Nélio Mendonça é que essa infraestrutura seja desactivada e depois o terreno alienado, a estrutura alienada, no sentido de esse dinheiro depois ser incorporado na saúde regional. Não faz nenhum sentido ter dois hospitais a funcionar. Os Marmeleiros ainda vamos decidir”, disse Miguel Albuquerque, na passada segunda-feira, reassumindo uma posição que já antes havia sido equacionada pelo Governo Regional e por alguns dos seus membros.
None

As declarações de Miguel Albuquerque, na passada segunda-feira, dia 20 de Fevereiro, à margem da cerimónia de tomada de posse dos novos órgãos regionais da Ordem dos Médicos, nomeadamente do Conselho Médico Regional, sobre a possível venda do Hospital Dr. Nélio Mendonça têm causado algum desconforto em alguns meios, levantando dúvidas sobre esta nova posição assumida pelo Executivo madeirense.

O PS-Madeira, por exemplo, estranha a “súbita vontade” em vender aquela unidade de saúde, com o líder do partido a questionar-se sobre o que estará por detrás dessa decisão. Estas dúvidas levantam-se, sobretudo, depois de, no ano ‘quente’ de 2018, vários membros da estrutura governativa regional terem publicamente recusado essa possibilidade de alienação após a entrada em funcionamento do novo hospital.

Miguel Albuquerque, por exemplo, numa altura em que o financiamento do novo hospital deu muito que falar, tanto na Madeira, como em Lisboa, implicando praticamente todas as forças políticas com representação tanto no parlamento regional, como no nacional, em diferentes momentos recusou essa ‘amortização’ na comparticipação da República.

O presidente do Governo Regional chegou a referir que a autonomia da Região e o Estatuto Político-Administrativo e até a própria Constituição “nunca tinham sido tão descaradamente desrespeitadas”.

Num debate mensal na Assembleia Legislativa Regional, a 30 de Outubro de 2018, subordinado ao tema do novo hospital, o líder do Executivo madeirense não colocava de parte essa venda, mas garantia que a acontecer, a mesma seria submetida à análise dos partidos. Albuquerque, em tom de graça, chegou a dizer que “não vamos vender a Empresa de Electricidade da Madeira, nem a Quinta Vigia, nem sequer a Sissi para pagar o hospital”.

 Na mesma ocasião, Pedro Calado, então na qualidade de vice-presidente do Governo, que tinha a pasta das Finanças, dizia que, “a ser vendido um dia”, o hospital Dr. Nélio Mendonça teria, obrigatoriamente, de ser amortizado na dívida da Região. E na troca de acusações, o então líder parlamentar socialista, Víctor Freitas, referiu, algumas vezes, que anterior secretário regional das Finanças, Rui Gonçalves, teria assumido que o Hospital Dr. Nélio Mendonça seria vendido.

Alguns meses depois, no início de Dezembro, a venda seria uma hipótese assumida por Pedro Ramos, em entrevista ao DIÁRIO, na sequência do que havia apontado publicamente em duas situações anteriores. O secretário regional de Saúde, ainda que dissesse que a venda nunca tivesse sido equacionada perante o Governo da República, muito menos como crédito para Lisboa, apontava que se “se houver hipótese de venda, a ser abatido é no valor da nossa percentagem”.

“Em duas informações que tivemos de dar na elaboração do dossier sobre o PIC [projecto de interesse comum], nós não falámos em venda. Dizíamos que temos duas instituições, que depois iremos ver o que poderemos fazer. Mas essa referência ao património dessas instituições não é para abater na percentagem da República”, assumia Pedro Ramos, reforçando que “o valor do Nélio Mendonça e dos Marmeleiros não tem nada a ver com o Governo da República”.

Passados alguns dias, Amílcar Gonçalves, então com a pasta das Infraestruturas, colocava de parte a venda do Hospital dos Marmeleiros, unidade que Miguel Albuquerque já havia equacionado alocar aos cuidados paliativos.

Para o grupo parlamentar PSD-Madeira no parlamento madeirense, esta premissa ditada pelo Governo de Antónia Costa estava “totalmente ferida de inconstitucionalidade”. Outros partidos também manifestaram a sua discordância com essa intenção. Foi o caso do JPP, do CDS-PP, do PCP, do BE ou do PTP. Também os deputados social-democratas à Assembleia da República se opuseram a esta ‘subtração’.

Em Setembro de 2019, em entrevista ao DIÁRIO, António Costa, sobre a questão a contabilização e respectiva dedução do valor dos hospitais actuais no financiamento à nova unidade de saúde, dizia que “o que a República se comprometeu a fazer e o que é razoável, são as necessidades de financiamento”. Ora, “as necessidades de financiamento líquido, em termos monetários”, no entender do primeiro-ministro, “têm em conta, também, a mobilização de recursos próprios resultantes da alienação do património, actualmente existente [2019], dos hospitais em funcionamento, que, de acordo com a avaliação do próprio Governo Regional, são 70 milhões de euros”.

António Costa deixava, claro, ainda assim, que esses bens não tinham de ser alienados, “não há decisão de alienação”, deixando a nota de que que “até podem ter outro fim social. Podem ter os fins que quiserem. O que nós nos comprometemos a fazer e bem, foi financiar o hospital. Não foi financiar outros fins atribuídos a esses outros imóveis. Esses outros imóveis devem ser alocados ao financiamento deste hospital”, salientando que a saúde está regionalizada e “é uma competência própria da Região e, portanto, o financiamento, por parte da República, do investimento do hospital é uma decisão excepcional, tendo em conta a importância do hospital para o funcionamento...”.

Mais recentemente, no início de Dezembro do ano passado, aquando de uma visita à Região, o actual ministro das Finanças, em entrevista ao DIÁRIO, deixava claro que, numa fase posterior, o valor dos hospitais a alienar será descontado dos 50% de financiamento da República.

“O entendimento que existe é que nós vamos fazer o processo ao contrário. O Estado é responsável por esses 50% e depois o que resultar da alienação dos imóveis que são da Região Autónoma da Madeira – vamos excluir aqueles que estão na resolução do Conselho de Ministros que não são da Região, pois isso foi um erro e manifestamente não deviam lá estar - será descontado no global do financiamento à operação. Mas isso entra na fase posterior, para não termos nenhum obstáculo ao normal desenvolvimento da obra. Aqui estamos em sintonia quanto àquilo que é preciso fazer”, apontava Fernando Medina.

Apesar de entendimentos e posições aparentemente contraditórias, entre os governos da Região e da República, o certo é que a possibilidade de venda do Hospital Dr. Nélio Mendonça apontada por Miguel Albuquerque não é nova entre o Executivo madeirense.

Na leitura das posições assumidas, tanto o presidente do Governo Regional, como alguns dos seus secretários regionais, não colocam de parte a possibilidade de alienação das unidades que sejam da Região, após a entrada em funcionamento do novo hospital, mas entendem que o produto de uma possível venda deverá ser ‘abatido’ na parcela que cabe à Madeira, e não na que cabe à República.

Conclui-se por isso, ser falso que esta seja a primeira vez que o Executivo madeirense assume a hipótese de alienação, como fez crer o Partido Socialista ao apontar a “súbita vontade” veiculada por Albuquerque, ou que esta represente uma vincada mudança de posição do Governo de coligação PSD/CDS.