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Jornadas do Teatro reflectiram sobre desafios da gestão das estruturas culturais

Foto DR
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A 4.ª Edição das Jornadas do Teatro decorreu hoje, no Teatro Municipal Baltazar Dias e juntou directores artísticos, presidentes de conselhos de administração, actores e encenadores na mesma mesa para reflectir acerca os desafios e as transformações da produção e gestão cultural no campo das artes performativas.

A sessão de abertura contou com a presença da Svetlana, Directora Artística do Art Center Caravel, numa contextualização do que se está a passar com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. De acordo com nota da organização, "podia parecer descabido estarmos a falar de gestão cultural num tempo em que a guerra deflagrou na Europa, com teatros destruídos e a serem utilizados como centros de acolhimento de refugiados".

Conforme referiu a Sandra Nóbrega, directora do Teatro Municipal Baltazar Dias, “como instituição cultural não podemos ficar indiferentes. Podíamos ser nós se tivéssemos nascido ou vivido noutra geografia. É neste contexto de grande incerteza, do início de uma possível grande crise económica e social, num contexto europeu de guerra que pode escalar facilmente, que os teatros continuam, se transformam e também resistem. Teatros que necessitam ser permeáveis às realidades do mundo e às realidades locais. Espaços habitados por pessoas que se encontram, pensam, criam, encenam, interpretam, projetam memórias, presente e futuro”.

Também na sessão de abertura, foi possível ouvir a leitura de um manifesto preparado pelo 3.º ano do Curso Profissional de Artes do Espectáculo do Conservatório – Escola Profissional das Artes, lido pela estudante Júlia Rodrigues. A precariedade do sector foi a temática central do manifesto. “Como possíveis futuros artistas, assusta-nos saber se vamos ter dinheiro ao final do mês, para pagar a renda, a luz, a água, o supermercado… assusta-nos pensar, como poderemos sair da casa dos nossos pais e crescer sem termos a oportunidade para tal? Assusta mas não nos impede!”, disse.

Neste seguimento, foi realizada uma sessão de esclarecimento por Mafalda Sebastião, coordenadora do Pólo Cultural das Gaivotas, acerca do Estatuto do Artista, que tem como objectivo aumentar a protecção social (os profissionais passam a ter direito a um subsídio por suspensão da actividade profissional, doença ou parentalidade), combater a precariedade e os falsos recibos verdes. Os trabalhadores da cultura passam a ter direito, ao fim de um mês de inactividade, a um subsídio similar ao subsídio de desemprego, que variará entre 438,81 euros e 1.097 euros.

Este estatuto tem como objectivo mudar a realidade actual que segundo o Observatório Português das Atividades Culturais, perto de quatro em cada 10 trabalhadores independentes da cultura são prestadores de serviço sem qualquer contrato, e metade dos trabalhadores independentes inquiridos disse que ganha menos de 600 euros por mês. Para acederem a estes apoios, os trabalhadores têm de estar inscritos no Registo dos Profissionais da Área da Cultura, através da Inspeção-Geral das Atividades Culturais. Este registo é facultativo, mas o trabalhador só beneficiará da protecção social se tiver inscrito.

No Painel sobre os desafios e transformações da gestão cultural, foi assumida que uma das dificuldades é a implementação de várias descontinuidades nos projectos culturais devido à mudança de pessoas nos cargos políticos ou de gestão cultural. “(…) os gestores culturais deveriam resistir à tentação de destruir tudo e começar de novo: deveremos, antes, começar por atentar e salvaguardar o que de bom e proveitoso e consequente está já em curso no momento em que chegamos. Há uma outra tentação oposta: deixar tudo como está, o que é também destrutivo, mas de uma outra forma.” destaca Pedro Sobrado, presidente do Conselho de Administração do Teatro Nacional São João.

Acrescenta acerca do papel dos gestores culturais na actualidade “Os gestores culturais – nos quais me incluo – defendem a democratização da cultura, o imperativo categórico da acessibilidade cultural a todos. Por vezes, em defesa do teatro, invocamos o seu papel ao nível da inclusão e da coesão social. Há hoje abundantes programas de arte e coesão, arte e comunidade. Quais os limites deste processo, tendo em conta que a cultura se produz frequentemente em conflito e que nada é mais perigoso para ela do que o consenso? Quais os limites da instrumentalização da arte, posto ao serviço de uma causa, por nobre que seja?”.

Por fim, sobre o papel dos Teatros nacionais e municipais, não lhes compete organizar a sua programação em função de padrões relacionados com o consumo (e, portanto, com expetativas de retorno financeiro), com as modas ou com mediatismos. A dimensão de serviço público na produção deve ser salvaguardada. Dificilmente se gosta do que não se conhece ou sente.