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Panem et circenses

A guerra ainda não chegou ao fim e já outras “distrações” se perfilam no horizonte

Pão e circo. Comida e palhaços. Ou gladiadores. Acredita-se que a expressão “Panem et circenses” apareceu, pela primeira vez, nas “Sátiras” do poeta romano Juvenal, referindo-se à defesa de melhores condições para a plebe, defendidas por Caio Semprónio Graco, político (tribuno da plebe) que viveu na antiguidade (154 a. C. a 121 a. C.) em Roma.

O poeta satírico, nascido aristocrata e posteriormente caído em desgraça, criou uma certa aversão às teorias defendidas por Graco que advogava manter o povo tranquilo, dando-lhe pão (trigo) e proporcionando divertimento (circo).

Juvenal descreve a plebe como viciada, apática e dependente dos nobres e do poder político.

Por esse motivo, alguns historiadores acabaram utilizando essa expressão para designar o controlo da plebe, pelos imperadores romanos, feito através do pão (distribuição do trigo) e do circo (espectáculos).

Os modernos historiadores, a partir de finais do século XIX, têm uma visão ligeiramente diferente das políticas sociais da época, no entanto, a expressão ficou querendo significar que, para manter o povo tranquilo há que lhe dar pão e distraí-lo com diversões.

Não precisamos de fazer um grande esforço para encontrar um paralelismo com os nossos dias. Não será exactamente pão e circo, mas benefícios de diversa ordem e diversão.

A diversão não é só festas e arraiais e, muito menos, circo. As pessoas sentem a necessidade de procurarem, constantemente, assuntos que as distraiam da sua vida quotidiana frequentemente monótona e vazia. Por isso, mesmo alguns infaustos acontecimentos como foi, ultimamente, a pandemia COVID19, servem para “entreter” o povo e distraí-lo.

Políticos, comentadores, jornalistas, especialistas diversos, treinadores de bancada, apóstolos das teorias da conspiração, ocupam espaço e tempo nas redes sociais, meios de comunicação social (diários, televisões) explorando ao extremo o tema e glosando-o das mais diversas maneiras.

Por vontade dos deuses, quando o tema começa a perder o interesse, porque até as pandemias chegam a esse ponto, aparece…uma guerra.

A dimensão afectiva, faz com que, até a guerra, não sendo à nossa porta, possa servir de…distracção. Os mesmos políticos, comentadores, jornalistas, especialistas diversos, treinadores de bancada, apóstolos das teorias da conspiração, ocupam espaço e tempo nas redes sociais, meios de comunicação social (diários, televisões) passando do tema pandemia, para o tema guerra.

Elevam-se algumas vozes bem-intencionadas, no meio do ruído de fundo produzido pelos diversos interesses em jogo, que chamam a atenção, do mundo, para o sofrimento de um povo à mercê de um invasor cruel, impiedoso e amoral — malgrado os que arranjam justificações para o injustificável.

A guerra ainda não chegou ao fim e já outras “distrações” se perfilam no horizonte: a tomada de posse do novo governo da República, o desempenho da selecção nacional de futebol, a chapada dada, em plena sessão de entrega dos Óscares, por Will Smith ao apresentador. E mais se seguirão.

Não estamos muito distanciados dos velhos tempos de “panem et circenses”.