Crónicas

Liberal, imperfeito, me confesso

É conveniente que assim seja, pois permite o “inimigo externo”

1. Disco: o de hoje, já tem muitos anos. Foi um dos responsáveis pela minha rendição à “new wave” ficando, desde aí, na lista dos meus favoritos. Estou a falar de “Look Sharp”, de Joe Jackson. Para mim, que vinha das estruturas complicadas e, por vezes, rebuscadas do rock sinfónico/progressivo, foi um abrir de um mundo sonoro completamente novo. As linhas de baixo potentes de Graham Maby, a bateria de toque rápido de David Houghton e a voz de Jackson, a voz que nos envolve e conduz com mestria.

2. Livro: um livro, de leitura rápida, que nos dá uma perspectiva histórica sobre a Rússia. “A Mais Breve História da Rússia”, de José Milhazes, é perfeito para contextualizar, historicamente, a ideia de império que está por detrás dos mais recentes acontecimentos na Ucrânia. Das raízes ancestrais, do Rus de Kiev, da agregação que faz nascer a Moscóvia, do imperialismo que nasce com Pedro “O Grande”, até aos nossos dias. Tudo escrito com contexto, de modo simples e agregador. Imprescindível para quem gosta de geopolítica.

3. Entre outros, tenho dois princípios dos quais não abdico: não me insulta quem quer, e o insulto está mais em mim do que em quem me o atira.

A propósito de uma posição, tomada pelo Iniciativa Liberal, sobre a dívida da Madeira que estamos todos a pagar, o Dr. Alberto João Jardim, ex-presidente do Governo Regional, decidiu “twittar, atirando para todo o lado.

Gostava de deixar claro que há pessoas que me podem dar lições de liberalismo. Não tenho a pretensão de ser um liberal perfeito. Não sou, nunca serei. Ideologicamente, o liberalismo é complexo e aprendo-o diariamente. Do Dr. AJJ não recebo lições sobre o que penso e, muito menos, sobre os caminhos que trilho. Tenho, do meu lado, quase quarenta anos de um modelo de governação apoiada em keynesianismo puro, duro e radical, onde o Estado é tudo, e apoiado em dependências e subsídios. Tenho, do meu lado, um modelo imposto que tresanda a socialismo laranja, onde a perseguição, o desrespeito e o destratamento de quem não diz que sim, é a regra.

Repito: lições, dali, não as recebo.

No Iniciativa Liberal, temos pessoas de muitas e variadas proveniências. Temos, connosco, alguns que vêm da dita esquerda. Temos orgulho nisso. Orgulho de, pelos argumentos e ideias, termos conseguido convencê-los a se nos juntarem. De lhes termos conseguido mostrar que eram liberais e não o sabiam. Não é essa uma das funções do debate, da discussão política?

Com toda a franqueza, não sei se temos alguém que tenha vindo da extrema-direita. Se for esse o caso, fico feliz por, pelos motivos acima indicados, termos contribuído para “desradicalizar” alguém.

A maioria, são pessoas que se chegaram à frente e têm, como argumento para o fazer, a sua vida. Levantaram o rabo do sofá, pretendendo assim contribuir para um futuro melhor para todos. Pessoas com ideias e ideais, convictas de que podem ajudar a fazer diferença.

Uma coisa garanto, não termos: antigos militantes do PSD que foram Secretários Regionais, que também mudaram de lado, ou não, responsáveis por julgamentos populares, realizados pela extrema-esquerda, a apelar à morte de jovens madeirenses. E não é caso único. Precisa o Dr. AJJ que lhe mostre o número de antigos militantes do CDS, que saltaram para o PSD? São de menos, por isso? Ou do PS?

Ao destratar aqueles que a nós se juntaram vindos de outra proveniência, o Dr. AJJ destrata os seus, os que consigo fizeram percurso.

Tomo nota que o Dr. AJJ entende não ter um nível de vida culturalmente burguês. Nisso, seja lá o que for, penso que tem razão. Será, provavelmente, dono de uma cultura boçal. A isso prefiro, sem qualquer dúvida, o meu aburguesamento cultural de classe média, que me induz à curiosidade e à fuga ao lugar-comum, que me permite a decência e o viver com a verdade do que é factual. Assumo, de modo burguês, todos os meus erros e vivo bem com eles.

Sou dos que pensam que a Autonomia é-o de pouco, quando podia ser de muito. Não gosto desta Autonomia de mão estendida para Lisboa. Por quatro vezes, já tivemos de apelar aos de lá para que deitassem a mão a dívida de cá. Esta quase mendicidade, chateia-me. Chateia-me, que ao fim de mais de 45 anos não tenhamos conseguido fazer melhor. É conveniente que assim seja, pois permite o “inimigo externo”, esse basismo populista que tudo justifica. Permite outra coisa, que também me aborrece: uma autonomia dependente de Lisboa, Lisboa que procura sempre manter-nos de rédea ao pescoço. Exigia-se muito mais, ao fim deste tempo todo.

Uma Autonomia com um regime fiscal próprio, uma Autonomia que só tivesse como limites os negócios estrangeiros, a justiça, a defesa e a segurança interna. Uma Autonomia madura e autossustentável. Em 45 anos, depois dos passos iniciais, muito pouco se fez.

Não há como fugir aos factos, por mais que se queriam criar revisionismos. A dívida existe e é enorme. Não tem a ver com colonialismos. Tem a ver com gestão defeituosa e danosa. Nada a opor à existência de dívida, desde que consolidada e bem gerida. Que não foi o caso. Para acabar, como cereja no topo do bolo, com um endividamento monstruoso, some-se o valor das facturas escondidas, que começaram a saltar dos sítios mais inusitados. Isto é crime.

4. Reconheço, a qualquer pessoa, o direito de ter e tomar as posições que quiserem, sobre o momento que vivemos.

Assim sendo, gostava de saber por que carga de água tenho de levar com “trololós” em cima por ter as minhas posições. Não lhes chamo “trololós”, por comigo não serem concordantes. Não tenho a pretensão de só existir a minha razão. Aceito a dos outros, mesmo não concordando com elas. O que me chateia, são as considerações irritadas e a roçar a má educação, que fazem sobre o que penso. E, depois, não aguentam com o que respondo e ficam ofendidinhos.

5. Vamos acertar numa coisa: para mim, não são argumento vídeos refundidos do YouTube. Por cada um que me mandem, posso mandar dois de volta a dizer o contrário e do mesmo modo. Não valem nada uns, nem os outros. Lá porque o Orlov Pavlov (antes que alguns vão “googlar”, o nome é inventado) fez um vídeo onde conta uma história em que acredita, eu não sou obrigado a tomar isso como verdade.

Também não papo grupos e páginas manhosas com teorias estapafúrdias sobre seja lá o que for. Tipo Breitbart e porcarias do género.

Graças a Deus, a capacidade de invenção e o “wishfull thinking” não são factos.

6. Não carrego comigo um pingo de racismo, de xenofobia. Cuidado com as interpretações que se faz do que escrevo a seguir, pois não tenho nenhuma intenção, para além do que questiono no final do texto.

Fábio Guerra era polícia. Por acaso era branco. Saiu à noite com uns colegas, como fazem muitos jovens, para beber um copo e divertir-se. Polícia é sempre polícia e, ao sair de uma discoteca, tentou, com os colegas, separar uma pancadaria. Correu mal e foi barbaramente agredido. Morreu, faz hoje uma semana.

Um dos agressores suspeitos, chama-se Cláudio Coimbra. Por acaso é negro. Foi campeão nacional de boxe e é fuzileiro naval. Preparava-se para partir em missão das Nações Unidas.

São ambos jovens. Tudo isto, não faz sentido. A morte, nunca faz sentido. A violência, é inexplicável.

Temos, em Portugal, uns que se consideram donos das questões das igualdades, das questões raciais. São sempre rápidos a concluir e a opinar, se as coisas lhes correm de acordo com o radicalismo que respiram.

Fui ver o que disse o Bloco sobre isto. Nada. Fui ver o PCP. Nyet. O Livre. Não. Mamadou Ba. Nicles. Joacine. Zero. Mortágua Family. Absolutamente.

Quem quer ser respeitado, dá-se ao respeito.