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Conselheira da ONU diz que África deve olhar para a covid e a guerra como "oportunidades"

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A conselheira especial das Nações Unidas para África disse hoje que o continente africano deve olhar para a covid-19 e para a guerra na Ucrânia "como oportunidades", defendendo que é necessário quebrar três paradoxos para se recuperar destas crises.

Em declarações à agência Lusa, à margem da 15.ª Conferência Internacional sobre Teoria e Prática de Governação Eletrónica (ICEGOV 2022), que decorre entre hoje e sexta-feira, em Guimarães, distrito de Braga, Cristina Duarte considerou que "estes choques externos criaram ruturas que as rotinas não criam".

"Por isso, nós africanos, temos só uma alternativa: olhar para essas ruturas como oportunidades. Para recuperar destas crises externas -- covid-19 e guerra na Ucrânia -- África tem de quebrar três paradoxos", afirmou a conselheira especial para África do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres.

A responsável da ONU considera que África precisa de quebrar aquilo a que chama os paradoxos financeiro, alimentar e energético.

"África é um continente rico em recursos financeiros. No entanto, encontra-se numa situação de não ter espaço fiscal, de ter visto a sua dívida crescer de forma substancial nos últimos anos. África pede com a sua mão direita a suspensão da dívida, alívio da dívida, mas com a sua mão esquerda perde 88 biliões de dólares em fluxos ilícitos. Isto é o primeiro paradoxo que tem de ser quebrado", frisa Cristina Duarte.

Para a antiga ministra das Finanças de Cabo Verde (2006/2016), o segundo paradoxo prende-se com os sistemas de segurança alimentar, pois o continente africano "é extremamente rico em recursos agrícolas, que podem alimentar e criar cadeias de valor extremamente interessantes, mas vive uma situação crónica de insegurança alimentar".

Segundo a conselheira especial, o terceiro paradoxo é o energético, explicando que "África é abundante de recursos energéticos, mas é um continente escuro".

"E, portanto, estes três paradoxos têm de ser quebrados para que, de facto, a recuperação destes choques externos se faça a um outro patamar. Isto obriga a construírem-se sistemas países ['country systems'], fortes e estruturados, instituições fortes, para construir Estados efetivos. No fundo, o que África está sendo questionada é da efetividade dos Estados africanos. E esta crise pôs, em parte, esta realidade um pouco a nu", salienta Cristina Duarte.

Para esta conselheira, o programa da ONU Desenvolvimento Sustentável 16, que visa promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis, "é crucial" para se evoluir e atingir os objetivos.

Cristina Duarte adverte que as "políticas públicas em África não podem continuar a marginalizar o valor e a importância das instituições como ativos intangíveis no processo de desenvolvimento".

"Esta crise está a dar-nos a oportunidade de reconhecer isto. Se, de facto, África, os países africanos, forem capazes de reconhecer o importante papel que as instituições como ativos intangíveis jogam no desenvolvimento, isto irá permitir a esses mesmos países africanos ganharem espaço de intervenção política. O que irá permitir-lhes, como resultado, ganhar níveis superiores de apropriação dos seus fluxos e melhor gestão dos seus stocks", vaticina esta responsável da ONU.

Para Cristina Duarte, este é o caminho e o que "África tem de equacionar de forma mais contundente".

"Tudo o resto são tecnicidades: inflação, a política monetária, económica, cambial, tem um menu de medidas e de instrumentos incomensuráveis. Mas se estas questões mais de foro da economia política não forem devidamente equacionadas, e formos diretamente para as tecnicidades da política económica, acho que perdemos novamente 'the global picture'", avisa a conselheira especial para África do secretário-geral da ONU.