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Cuidar das famílias que cuidam

Foi apresentado recentemente o estudo “Custo e Carga da Doença de Alzheimer em Portugal” realizado pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Neste estudo estima-se que os custos adicionais que se incorreram em 2018 devido à Alzheimer são da ordem dos 2.000 milhões €, ou seja, mais de 1% do PIB Nacional. Se dividirmos este valor pelo número estimado de pacientes com esta doença (145 000) vemos que cada um tem um custo adicional de mais de 14 000€.

Mais de metade deste custo resulta do trabalho prestado pelos cuidadores informais, o qual é valorizado no estudo em cerca de 7 500€ por paciente dando um total de mais de 1 100 milhões € para o todo nacional. Este valor é muito superior aos dos apoios sociais recebidos que é na ordem dos 205 milhões €.

Os valores encontrados neste estudo enquadram dentro dos valores apresentados em “The Cost of Dementia in Europe A Review of the Evidence, and Methodological Considerations” de Linus Jonsson and Anders Wimo publicado na revista Pharmacoeconomics (2009; 27 (5): 391-403). Os autores apresentam os valores encontrados em 16 estudos para diversos países europeus podendo se verificar que o valor mais baixo do custo anual adicional provocado por uma situação de demência foi estimado em 6435 € (único abaixo de 10 000 €) para França e o mais elevado de 64 426 € para o Reino Unido.

Dos 16 valores apresentados, um era inferior a 10 000 €, quatro estavam entre os 10 000 e os 20 000 €, quatro entre os 20000 e os 30000 € e os restantes sete estavam acima dos 30 000 €. Se olharmos para os valores apresentados para os custos adicionais de um paciente com demência profunda verificamos que dos doze valores apresentados só dois são inferiores a 20 000 €, sendo a maioria (sete) superiores a 30 000 € atingindo o valor mais elevado de 86 824 € para o Reino Unido.

Nos oito estudos que apresentam os valores atribuídos aos cuidadores informais, quatro (metade) afirmam que o seu peso é de mais de 50% do custo total, sendo que no caso extremo, num estudo para Espanha, dos 37 287 € de custo total mais de 30 000 € são devidos aos cuidadores informais.

Todos os números acima referidos mostram a importância dos cuidadores informais e o valor do contributo que têm para o bem-estar das pessoas mais frágeis da nossa sociedade. Este contributo irá ter que ser cada vez maior à medida que a sociedade vai envelhecendo dado virem a existir mais casos de Alzheimer e de demência, a qual se pensa que atinge mais de 10% da população com mais de 65 anos.

As pessoas e famílias que cuidam merecem ver o seu trabalho reconhecido, por isso já defendi aqui que devia ser-lhes dado os mesmos direitos que têm as famílias com filhos pequenos.

A pandemia mostrou que as famílias que cuidam conseguem ser resilientes, por isso parte dos fundos do PRR devia-lhes ser dirigido de modo que possam melhorar as condições em que cuidam e também para que mais famílias possam optar por o fazer.

Dizia-me um empresário americano cujo negócio é o cuidado dos idosos: “As pessoas pensam que nós ganhamos muito dinheiro por receber mensalidades de mais de 5 000 € por utente com demência, mas na realidade com esses utentes gastamos quase tudo o que recebemos. O nosso lucro vem dos utentes que estão bem e pagam menos de metade desse valor”.

Esta é uma realidade sobre a qual urge refletir, pois num futuro próximo todos seremos chamados a cuidar a bem dos nossos, a bem de todos.