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Pragmatismo ou negação da cidadania?

Atacar os mais vulneráveis, não é resolver os desequilíbrios financeiros do Estado

Criado para acudir a situações de miséria extrema e exclusão social, a atribuição pelo Estado, do Rendimento Mínimo Garantido (RMG) nunca foi isenta de polémica, desde a sua implantação na década de 90 do século passado. Continua o discurso simplista, agora amplificado pelas redes sociais, de ser um estímulo à “preguiça” e ao “parasitismo” e de onde deriva uma boa parte dos problemas financeiros do país, embora a estatística diga serem crianças e jovens, a maioria dos beneficiários. A questão dos subsídios sociais foi até moeda de troca para uma recente negociação de apoios e parcerias políticas, aqui bem perto de nós…. Fará caminho?

Relembre-se que a sua criação se fundamenta em princípios consensuais de inclusão, aquisição de competências sociais, educativas e profissionais, de modo a conquistar a emancipação e autonomia económica individual, providenciar a inserção no mundo do trabalho e caminhar na vida pelos próprios meios. Em suma, pretende-se a construção de consciência cívica, melhoria da participação democrática e da cidadania questionadora e crítica, para o exercício equilibrado de direitos e deveres, como mandam os paradigmas de modernidade do Estado de direito. E disto, quando conseguido, lucrará o bem comum.

Têm sido muitos os beneficiados, a quem esta ajuda torna possível um avanço na vida e o progresso da sociedade, mas os números da pobreza e os índices de desenvolvimento humano de hoje não enganam e nem tudo corre bem, por diversos factores: Talvez por um insuficiente entendimento da filosofia emancipatória na base do Estado Social, mais arreigada em países com longa cultura de democracia e dos seus valores de igualdade, fraternidade e justiça; ou por falhas estruturais do próprio sistema institucional responsável, em recursos humanos devidamente apetrechados de mecanismos justos de avaliação dos candidatos; ou ainda por uma insuficiente desmistificação de preconceitos e estereótipos, etc…

Indispensável é um necessário acompanhamento das diversas facetas desta e doutras ajudas do Estado. Indigno é aceitar como perfeitamente normal, simplista e pragmático, a arbitrariedade da fria redução para metade, da atribuição dos subsídios aos mais pobres… E por partidos democráticos, signatários da Constituição, da declaração universal dos direitos humanos, que radicam na ideia de respeito pela dignidade de todas as pessoas, à luz da democracia, da lei, da consciência e da moral. Incompreensível, num tempo em que até à escala global, se tem assistido, segundo a ONU, ao aprofundar das desigualdades e da pobreza, pondo em risco os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Atacar os mais vulneráveis, não é resolver os desequilíbrios financeiros do Estado, nem acabar com o “parasitismo”: é empurrar os mais frágeis para as margens da sociedade, é a negação da cidadania! É tão só cavalgar o bode expiatório nascido do descontentamento, do medo e da ignorância, à rédea solta no mundo virtual e não só… O momento presente e o futuro apelam, isso sim, ao reforço imprescindível de melhores políticas sociais, um ato de inteligência, (pragmatismo?) acima de dogmas, cromatismos partidários, ou falsos discursos messiânicos. Uma maneira de lembrar a universalidade dos Direitos Humanos, amanhã e sempre…

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