A visão que (ainda) nos falta
A revista dedicada ao turismo, “Publituris”, publicou, a 20 Junho do corrente ano, um artigo de opinião, de Sílvia Dias, com o título, em epígrafe.
Um artigo que merece ser transcrito e de leitura atenta, que nos ajuda na reflexão, a nós, habitantes desta ilha, que tem no turismo, actividade centenária, um contributo significativo para o seu PIB, e que urge, que também se reflita na sua qualidade de vida.
“Num tempo em que tantos destinos parecem correr atrás de todos os públicos, vale a pena perguntar: e se o segredo estivesse, precisamente, em não o fazer?
A ideia de que devemos agradar a todos é sedutora. Garante aviões cheios, números robustos e aquela confortável sensação de sucesso. Mas essa lógica — de quantidade em vez de qualidade — tem um preço. E não é baixo.
Porque quando um destino perde o foco, perde também a sua força. E, aos poucos, vai-se diluindo até deixar de ser único.
Há sinais que não enganam: natureza pisada sem remorso, tradições moldadas ao gosto do visitante, identidade empacotada e servida em experiências “autênticas” com hora marcada.
E, no meio disto tudo, uma inquietação: para onde vamos? Para quem estamos a construir o futuro?
É aqui que entra a importância da visão — não como mero exercício estratégico, mas como compromisso com aquilo que o destino quer ser. Visão é ter rumo, é saber quem se quer atrair e, sobretudo, quem se está disposto a dispensar. Porque sim, às vezes é preciso dizer “não”. Não a propostas tentadoras, mas desalinhadas. Não ao turista que não vê o destino, apenas o preço do voo. Não à transformação do local num produto de supermercado.
Foco é isso mesmo: a coragem de escolher. De abdicar de ser tudo para todos, e de assumir um posicionamento claro. De querer menos gente, mas melhor. Visitantes que fiquem mais tempo, que se envolvam mais, que deixem mais valor e menos rasto.
Gente que compreende — e respeita — aquilo que faz de um destino algo especial.
E sejamos claros: atrair públicos de maior poder económico não é elitismo. É inteligência estratégica. São esses visitantes que puxam pela qualidade, que consomem com critério, que não vêm apenas gastar menos — vêm viver mais. São os que voltam, que recomendam, que contribuem para a economia local sem a esgotar.
Pelo contrário, a massificação pode parecer um sucesso, mas é uma armadilha. Enche no curto prazo, esvazia no longo. E, pior, corrói. Corrói a paisagem, as tradições, o carácter. Há destinos — nem é preciso ir longe — que já começam a sentir esse desgaste. Que se debatem entre o fascínio do crescimento e a angústia da descaracterização. Entre ser destino de todos… ou ser um destino com identidade.
Há ainda outra armadilha: confundir crescimento com progresso. Nem todas as novas rotas são sinal de sucesso. Nem todas as camas adicionadas são sinónimo de desenvolvimento. A obsessão por mais — mais voos, mais turistas, mais unidades de alojamento — pode acabar por minar aquilo que realmente importa: os proveitos gerados, a conectividade com valor, a qualidade da experiência. Porque turismo sustentável é aquele que cria riqueza sem destruir o lugar que a gera.
E, nesse processo, importa reconhecer os desequilíbrios: enquanto o crescimento hoteleiro continua a ser regulado com cuidado, outras formas de alojamento — como o AL — multiplicam-se muitas vezes sem critério, sob licenciamento habitacional, mas com impacto real na vivência dos destinos. Não se trata de travar, mas de pensar.
E regular com visão.
A verdade é que nem tudo o que reluz é bom turismo. Um destino com alma não se constrói com “likes” nem com números. Constrói-se com visão, com coerência e com a tal coragem de seguir um caminho próprio — ainda que mais difícil.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de parar para pensar. Porque o futuro não se constrói com slogans, mas com escolhas. E talvez esteja na hora de escolher menos barulho e mais essência. Menos multidão e mais valor. Menos concessões e mais autenticidade.
Se queremos que o destino continue a ser especial, temos de tratá-lo como tal. E isso começa por termos a visão de perceber que o caminho fácil pode ser o mais perigoso.
E que nem todos os visitantes são um bom negócio.
O desafio está lançado. Resta saber se vamos ter a coragem de o enfrentar.”
João Freitas