Entre as atrações e as distrações
No início de cada ano letivo, observo sempre, com alguma fascinação, a variedade das respostas dos alunos nesse período de adaptação, sobretudo quando se trata da transição entre os ciclos, particularmente na entrada para o secundário, e ainda mais concretamente, para o ensino profissional (no meu caso particular, de música).
O salto quantitativo e qualitativo que esta transição implica faz com que os alunos demonstrem muita variação na resposta aos horários mais pesados, conteúdos mais ricos, andamento mais rápido e exigências mais elevadas.
O que mais me parece causar algum transtorno e consternação é o assunto da organização do tempo. Mesmo para aqueles alunos que já venham com alguns hábitos e rotinas desenvolvidos e estabelecidos, este salto exige um maior rigor e autocontrolo. Pois nesta altura crescem também as distrações tecnológicas e sociais, procrastinação, sensação de sobrecarga, compromisso excessivo, perfeccionismo e problemas com autodisciplina. E para aqueles que chegaram até este ponto praticando uma ética de trabalho menos coerente e mais impulsiva e esporádica, este momento pode tornar-se num momento de confusão, desorientação e caos.
Não é fácil falar e comunicar aos jovens de hoje em dia os valores e mais-valias de compromisso, dedicação, foco, concentração e perseverança, quando empregados no processo de aprendizagem. Curiosamente, este problema não surge quando estas qualidades são empregadas num jogo, entretenimento ou passatempo. Aí, não é necessário qualquer estímulo externo.
A maior identificação dos jovens com as “distrações” é uma consequência de fatores socioculturais sobejamente conhecidos. Mas a verdade é que, o que para os pais e os educadores parece ser uma “distração”, para os jovens representa uma “atração”. Porque será?
Vale a pena falar sobre o facilitismo da sociedade de consumo, sobre a facilidade de acesso, sobre as artimanhas com as quais os jovens são literalmente “sugados” para os mundos fictícios onde qualquer pessoa pode tornar-se em qualquer pessoa e divorciar-se da realidade?
Vale a pena falar sobre o esforço (às vezes, titânico) de educadores de manterem as raízes dos jovens na terra, na história, na cultura, nas qualidades que definem um ser humano e um “animal social” de Aristóteles, numa altura em que muitas forças os empurram para o canto antissocial, reclusivo e desprezador?
A verdade é que a aquisição e interiorização do saber não têm nada de fácil. O rumo da sociedade em si será determinado pela aceitação, ou não, pelos jovens, da realidade e da essência do ser humano, do mesmo modo que esta mesma sociedade se desenvolveu, ao longo dos séculos, até ao presente momento.
E tudo isso faz-nos regressar ao tópico inicial. Quando é para brincar, que se brinque! Quando é para trabalhar, que se trabalhe! E quando é para estudar, que se estude! A organização de tempo é um imperativo, e as estratégias tais como a priorização, estabelecimento de rotinas, evitação de distrações, e divisão de tarefas complexas em tarefas simples, tornam-se imprescindíveis.
Cada um deve decidir para si o que para ele constitui uma distração e que percentagem da sua vida a mesma deve ocupar. As consequências virão logo ao de cima. E a mesma lógica aplica-se tanto às disciplinas nucleares, como ao desporto, às artes e às outras atividades.
Como sempre, o apoio para a escolha certa e para a afirmação da força de vontade deve vir tanto do ambiente escolar como do familiar. São esforços que funcionam em sinergia, tal como os músculos agonistas e antagonistas – sempre em ação, sempre a compensar e, num corpo saudável, sempre a procurar o equilíbrio. Sem a perspetiva holística torna-se muito complicado.