Em defesa do Centro Cívico do Porto da Cruz

Inaugurado a 8 de outubro de 2004, pelo ex-Presidente do Governo Regional, Dr. Alberto João Jardim, o edifício com três pisos, foi construído para descentralizar as atividades culturais da capital da Região e, sobretudo, para promover a freguesia no âmbito da divulgação das suas tradições identitárias. A pompa e circunstância da cerimónia de inauguração, previa um longo tempo de vida dos fundamentos que presidiram à sua génese, ligados ao desenvolvimento socio-cultural da população do Porto da Cruz, nomeadamente das camadas mais jovens da localidade. Nessa altura, com a mesma sumptuosidade, outros Centros foram edificados, principalmente nas freguesias rurais da Região, constituindo uma rede de Centros Cívicos e Comunitários como parte integrante da afirmação da Autonomia Regional. Essa rede, faz parte do corpus da autonomia do povo – o direito à diversidade cultural e a manifestações artísticas nas suas diversas formas criativas e de transmissão em nome da afirmação cultural da freguesia. Mas, pelos vistos, a essência dessa rede começa a estar em causa, com os dias contados da sobrevivência integral do Centro Cívico do Porto da Cruz, que por força da abertura em 23 de outubro de 2025 da autorização pelo Conselho do Governo Regional de um procedimento de hasta pública de arrendamento de um conjunto de espaços distribuídos pelos três pisos e de 11 lugares de estacionamento localizados na cave do edifício. Esta deliberação põe em causa, salvo melhor entendimento, a natureza jurídica e social deste Centro Cívico com mais de duas décadas de existência, a servir as agremiações locais ligadas à valorização da história e da identidade cultural da gente da freguesia. A sua importância no contexto da preservação e divulgação do património cultural local, vai muito além dos limites geográficos do Porto da Cruz, visto se encontrar conectado com os espaços de dinamização cultural do município de Machico, juntamente com outros, como a Casa da Música e o Forum Machico, polos de progresso civilizacional, quer em termos de conhecimento, quer a nível de índices de maturidade cultural das populações do Município. Neste contexto, o processo de arrendamento de determinados espaços desta infraestrutura pública deve, ao meu ver, ser submetido a debate, ouvindo-se sobretudo as forças vivas da freguesia, como as associações designadamente: Flores de Maio; Borracheiros; Vamos à Ermida; Desportivo do Porto da Cruz e outras instituições localmente marcantes, como a Escola Básica/Pré-Escolar, a Igreja, a Junta de Freguesia e a Casa do Povo.

Subentende-se da lógica da resolução do Conselho do Governo a existência de falta de financiamento por parte do Governo para a cultura, aliás, um velho problema, que afeta diversas instituições regionais com os mesmos fins socio-culturais. Mas, se o alcance desta resolução é seguramente questionável, menos discutível é o desconhecimento do número de espaços do imóvel arrendar, bem como, o número daqueles que poderão sobrar para as atividades das instituições há muito ali instaladas. Se esta medida se concretizar, não poderá ser feita por detrás das costas das forças vivas da freguesia, tendo sempre presente que o interesse público não pode subordinar-se ao privado, sendo esta a questão fulcral de todo o processo, a qual, deve obrigatoriamente passar pela defesa da continuidade do Centro Cívico do Porto da Cruz.

Severino Olim