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Fact Check Madeira

Está a suspensão da intervenção no Portinho de acordo com a lei?

Na passada sexta-feira havia maquinaria pesada em trabalhos na zona do Portinho, junto à linha da maré. 
Na passada sexta-feira havia maquinaria pesada em trabalhos na zona do Portinho, junto à linha da maré. , Foto DR

Na passada sexta-feira, a Direcção Regional do Ambiente e Mar (DRAM), entidade do Governo Regional que tem a superintendência da faixa territorial que compreende o Domínio Público Marítimo (DPM) na Madeira, procedeu à suspensão da intervenção que estava em curso num terreno junto ao litoral, na zona do Portinho, na freguesia do Caniço.

A justificação apontada para essa suspensão dizia respeito à necessidade de autorização prévia da DRAM para o efeito, o que apontavam não ter acontecido.

No final do dia, Élia Ascensão, presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, recorreu às redes sociais para manifestar a sua posição sobre essa suspensão, que classificou de “no mínimo, estranha e incompreensível”. Mas estará essa decisão de acordo com os preceitos legais em vigor? É isso que vamos aqui tentar perceber.

Há quase 15 anos que se fala na construção de um resort de luxo na zona do Portinho, entre a ponta da Atalaia e os Reis Magos, onde funcionou, no passado, um engenho e um estaleiro naval.

A revitalização daquela zona tem sido prometida pelas diferentes forças políticas que têm governado o concelho de Santa Cruz, quer por parte do Partido Social Democrata (PSD), quer pelo Juntos Pelo Povo (JPP), que lidera os destinos da autarquia nos últimos 12 anos.

O projecto tem licença desde 2013, quando o PSD era poder. Em Agosto desse ano o promotor, associado ao fundo russo ‘Infina Russia Arbitrage Fund’, já teria levantado a licença de desmatação, conforme dava conta, ao DIÁRIO, o vereador Jorge Baptista. Dois anos depois, o Portinho deveria estar servido por estrada, balneários, ‘promenade’ e acesso livre à praia, além de contar com uma nova oferta turística com perto de 200 quartos de luxo. Mas, tudo não passou do papel.

Em 2016, o investimento passa para as mãos de um fundo dinamarquês. De promessa em promessa, nada acontece, além de desmatações e terraplanagens, com as que na semana passada tiveram lugar. No ano seguinte, entrou em ‘cena’ o actual proprietário, o grupo Altis, que projecta um hotel de 4 estrelas, com cerca de 100 quartos e 150 apartamentos, intenção de construção que ainda se mantém.

Oito anos depois, a maquinaria voltou a entrar nos terrenos e a ‘varrer’ aquela faixa junto ao litoral, isto depois de a licença de construção ter sido renovada no ano passado. Foi perante esta abordagem que a DRAM foi ao local e resolveu suspender os trabalhos em curso, argumentando, enquanto entidade gestora na Região do Domínio Público Marítimo, como se impõe nestes casos.

Na leitura de Élia Ascensão, essa suspensão é “estranha e incompreensível”, assumindo contornos de “contradição”, reforçado que “não há dúvidas quanto à sua legalidade”, acrescentando que “o próprio Governo Regional, liderado pelo PSD, aprovou a suspensão parcial do PDM exactamente para permitir que o projeto avançasse”.

Questiona-se, pois, a presidente da Câmara de Santa Cruz como “é então possível que, agora, venha a mesma estrutura governamental colocar entraves a uma obra que eles próprios ajudaram a viabilizar?”, associando a decisão de suspensão a “contornos políticos”, à beira de eleições.

A autarca diz mesmo que o PSD estará a “instrumentalizar organismos públicos”, no caso, da DRAM, “para servir de arma de arremesso”.

Mas, a dúvida que se levanta, é se a suspensão decretada está ou não de acordo com a lei em vigor e se foram cumpridas todas as exigências processuais que se colocam a uma obra em Domínio Público Marítimo.

Nesse sentido, o DIÁRIO questionou a Direcção Regional do Ambiente e Mar, bem como a Câmara Municipal de Santa Cruz, procurando esclarecer se a intervenção em causa estaria devidamente licenciada pela autarquia e se havia ou não a exigência legal de um parecer prévio à entidade que, na Região, tem o papel de zelar pela faixa litoral que está abrangida no DPM. Colocando-se essa exigência, quisemos indagar se a Câmara teve ou não esse aspecto em conta no eventual licenciamento do projecto e na autorização para arranque dos trabalhos no terreno.

No que à fiscalização realizada na passada sexta-feira diz respeito, a DRAM esclarece que tal actuação está em linha com os procedimentos seguidos pela Divisão de Recursos Hídricos do Litoral, estrutura qua a integra, sempre que existe denúncia de alguma irregularidade no DPM.

Além da informação já tornada pública na semana passada, aquele organismo regional diz que os técnicos que se deslocaram ao Portinho identificaram “aparentes demolições e alterações topográficas, e não apenas limpezas de terrenos”, o que configura “operações urbanísticas”, as quais “necessitam de licença do município territorialmente competente”, no caso a Câmara Municipal de Santa Cruz.

Junta-se a isso o facto de “toda e qualquer actividade que ocorra no litoral deve ser comunicada previamente às entidades com competência de fiscalização, a saber, DRAM, Capitania do Porto do Funchal e Alfândega, o que não aconteceu”, reforça o ‘Ambiente’.

De acordo com a legislação em vigor (entenda-se o Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, no seu artigo 4.º; e o Decreto Regulamentar Regional n.º 24/2024/M, de 11 de Outubro, nas alíneas w, gg, hh, do seu artigo 3.º), a realização de trabalhos de demolição e de alteração topográfica, sujeitas a licenciamento municipal, no Portinho carecem de uma autorização por parte da DRAM, que, garante aquele organismo, não foi solicitada, nem concedida.

Junta-se a isso, o desconhecimento do processo final e o facto de o prazo de suspensão do Plano Director Municipal de Santa Cruz já não estar em vigor, pelo que o PDM actual não permite a construção duma unidade hoteleira naquele local.

Reforça a DRAM que, “sem prejuízo dos pareceres prévios das entidades, é essencial que as autoridades com competência na fiscalização do litoral tenham acesso ao projecto final licenciado, assim como às datas de início das operações, para permitir verificar se foram acomodadas as condicionantes e asseguradas as boas práticas na sua execução”. E, até ao momento, o ‘Ambiente’ garante ainda não ter tido acesso ao projecto, nem ter sido informado das datas da intervenção.

A par disso, “qualquer ocupação do DPM, tem de ter um título de autorização privativa passado pela DRAM, sendo que, até à data, não foi requerida emissão de tal título. De qualquer modo, mesmo havendo tal título, haveria sempre uma obrigação de comunicar previamente qualquer intervenção no espaço em causa”.

Até à publicação deste trabalho, o DIÁRIO não obteve os esclarecimentos solicitados à Câmara Municipal de Santa Cruz, pese embora os contactos feitos com a autarquia e com a própria presidente da Câmara. Deste modo, não foi possível aferir se a intervenção estava devidamente licenciada pela autarquia, nem se teria sido tida em conta a existência ou não de autorização prévia pela Direcção Regional do Ambiente e Mar.

Embora faltem esses elementos, perante a informação exposta, podemos verificar que a aplicação da suspensão dos trabalhos está devidamente legitimada na legislação referida, e não se prende com a existência de licenciamento por parte da Câmara Municipal. 

A decisão do 'Ambiente' em suspender os trabalhos no Portinho, considerada "estranha e incompreensível" está de acordo com a lei vigente.