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Crónicas

Ramalho Eanes, um Homem para lá do seu tempo

Sem medo de dizer o que pensa, com respeito pelas instituições e pelos outros

Numa sociedade como a nossa, no tempo em que a vivemos mas sobretudo com a voracidade com que se alimentam notícias e inventam histórias é cada vez mais difícil ser-se transversal e respeitado por uma ampla maioria. É a dicotomia dos extremos que se sobrepõe ao racional, a esquerda e a direita, o azul ou o vermelho, os prós e os contra, antis ou indefectíveis. Há sempre quem se sinta ofendido, quem tenha alguma coisa a dizer ou a apontar, quem encontre razões para achincalhar ou tirar partido. Isso faz de quem assume posições públicas um alvo muitas vezes demasiado fácil de abater, porque há sempre qualquer coisa em determinado momento que gera controvérsia, ódio ou animosidade. O resultado é um défice de referências, de pessoas que nos movam e nos façam acreditar, que nos transportem através das palavras mas sobretudo de atitudes e ações.

Dentro deste paradigma, emaranhado num complexo novelo de opiniões, há sempre quem se destaque dos outros. Aqueles poucos, às vezes um ou dois, a quem parece nada ou pouco haver a apontar. Pela descrição dos momentos ou na postura perante determinadas situações mas sem dúvida que respaldados por uma ética e valores já de si incomuns dado o palco onde são colocados e os diversos obstáculos e tentações. São os que não cedem perante protagonistas estéreis ou oportunidades menos claras, os que não se aceitam vender seja a que preço for e que por isso escolhem sempre a nobreza de cada passo, na certeza de que errar todos erramos mas que as intenções valem por vezes tanto ou mais do que o resultado em si.

É nesse grupo restrito de personalidades que coloco António Ramalho Eanes. Um Homem para lá do seu tempo, que tem sabido ao longo de todos estes anos, mostrar através do exemplo, da sobriedade e da clareza de discurso que se trata de alguém que provavelmente mereceria ainda mais reconhecimento do que aquele que tem. Uma autêntica reserva moral do País, talvez a maior, embora aceite outras opiniões. Sem medo de dizer o que pensa, com respeito pelas instituições e pelos outros, conhecedor dos tempos que o tempo não escolhe e assertivo de uma forma quase única. Onde ele passa o respeito impera e quando fala é ouvido por quase todos. Por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, deu-nos o privilégio de certos comentários que nos ajudam (principalmente os que como eu não viveram nessa época )a compreender o que realmente se passou, nomeadamente a relação entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro mas também acerca do trágico processo que foi a desorganizada e intempestiva descolonização e que deixou os portugueses que por lá viviam numa situação muito dificil e os próprios povos dessas ex-colónias entregues de um momento para o outro à sua sorte, sem apoio ou estabilidade e que péssimos resultados acabou por dar.

Esta semana numa entrevista feita por Fátima Campos Ferreira falou da velhice e da forma como lidamos com o passar da idade de uma forma desassombrada e brilhante. “Nunca sabemos o suficiente para responder à vida” foi uma das frases que retive e que muito nos ensina sobre os obstáculos e as vicissitudes que nos são colocadas no caminho. A ingrata tarefa de vermos o nosso tempo a esgotar, o que nos move ao longo dos anos e que motivação fica para o que falta. Um senhor de quem Portugal muito se deve orgulhar e com quem muitos deviam aprender…