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Faltam negros em cargos superiores em Portugal, mas caminho está a ser feito

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Foto DR/Linkedin/Daniela Lima

A ativista Paula Cardoso declarou à Lusa que os negros, em Portugal, estão excluídos de altos cargos, mas a especialista em Recursos Humanos Daniela Lima disse estar convicta de que o caminho está a construir-se.

Para Paula Cardoso, "enquanto não se falar sobre isso e se defender que as ausências decorrem da falta de mérito e de competências das pessoas que não estão presentes, enquanto não se perceber que as ausências resultam de decisões que são tomadas, de olhares que excluem e que colocam certos grupos de pessoas fora destes espaços - mesmo que possamos explicar isto com dinâmicas que operam ao nível do subconsciente - vamos ter de continuar a apontar que estas presenças são de exceção à regra".

Já Daniela Lima, uma afro-portuguesa especialista em bem-estar organizacional ('well-being') e professora na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal e na Universidade Europeia, reconheceu que "não é pacífico, muitas vezes, conseguir sensibilizar as pessoas para as questões das diferenças, mas ainda assim" o caminho está a ser construído.

"Aquilo que eu percebo, e uma vez que dou aulas em duas instituições de ensino superior, é que os alunos, de forma transversal, têm a oportunidade de ingressar na sua primeira experiência profissional e não há relatos de que tenham sido vítimas de algum tipo de situação que lhes possa ter causado desconforto", referiu a especialista em bem-estar, realçando que isso não significa "que não possa existir".

Esclareceu também que "desconforto" pode "ser a vários níveis, não sendo só a questão da pele", salientando que nunca se sentiu descriminada.

"Como nasci cá, não tive um processo de integração, foi tudo natural. Na minha realidade, usufruímos dos padrões da cultura e do ensino português, por isso sentimo-nos plenamente integrados na sociedade portuguesa", refletiu.

Formada em Recursos Humanos, afirmou que, no mercado de trabalho português, se veem pessoas africanas em "setores distintos", em "posições distintas", por isso, considera que "não existe falta de representatividade". 

"Eu acho que nós estamos representados. Já olhamos para a televisão e vemos jornalistas negros, já temos altos quadros em empresas que também são africanos ou afro-portugueses. O mesmo acontece com professores no ensino superior, mas também encontramos muitos africanos e muitos afro-portugueses a trabalhar na construção civil, ou na área da restauração", exemplificou.

O que "provavelmente acontece é que existem setores, devido à força das oportunidades, que são mais constituídos por negros", acrescentou. 

Paula Cardoso, fundadora do projeto Afrolink, não partilha desta visão no que toca à integração no mercado de trabalho português e defendeu que devem de ser recolhidos dados da "dimensão da população negra em Portugal".

"Enquanto isso não acontece, existem uma série de medidas que devem ser implementadas, que inclusivamente estão previstas no Plano Nacional de Combate ao Racismo e à Discriminação, nomeadamente a formação de quadros que estejam nessas posições de poder e decisão, que percebam que é natural, e faz parte do enviesamento humano, nós escolhermos os nossos semelhantes", explicou.

Para Paula Cardoso, as quotas de género devem ser aplicadas à questão étnico-racial.

"Precisamos de quotas, de definir contingentes mínimos para as diferentes posições, porque, de outra forma, organicamente, essa mudança não se vai produzir", declarou.

Daniela Lima discorda da necessidade da implementação de quotas e acredita que, através da formação no ensino superior, "cada vez mais vai haver uma democratização dos lugares mais cimeiros".

Do ponto de vista empresarial, a especialista em Recursos Humanos esclareceu que "as organizações têm um objetivo muito claro: os resultados".

"Se eu, Daniela Lima, estiver a contribuir para esses resultados, eu acho que a organização não quer saber da minha cor de pele, desde que eu tenha o nível de conhecimento que ela necessita", declarou.

A par da formação e oportunidades, é preciso também trabalhar "no sentido de proporcionar essas mesmas oportunidades", admitiu.

"Eu sou uma mulher afro-portuguesa e tive oportunidades, por isso, reconheço que o fator de discriminação étnico-racial possa existir, mas não posso dizer que é o único fator limitativo de acesso ao mercado de trabalho", declarou, referindo-se a questões como as de género.

O mercado de trabalho, realçou, é composto pela sociedade que incorpora as organizações e nelas se refletem os seus "estereótipos e preconceitos". 

No entanto, "pessoas negras e afro-portuguesas atingem cargos de liderança" e as pessoas dessas comunidades ficam "felizes por essas conquistas" e veem essas realidades como "fontes de inspiração".

Como especialista em bem-estar, alertou que carregar peso na representação "causa stress e níveis de ansiedade, entre outras possibilidades infinitas ao nível das doenças mentais".

No seu entender, há já muitas empresas que, "devido aos fluxos de imigração, (...) estão cada vez mais preocupadas" em garantir aos seus trabalhadores "os seus direitos fundamentais" num "ambiente acolhedor e saudável".

"Quando desenhamos um plano de acolhimentos, todas essas questões devem estar acauteladas", referiu.

Para Daniela Lima, o foco não devem ser as diferenças - à exceção de situações muito específicas -, porque estas já devem estar diluídas à entrada.

"Se eu estou preocupada porque tenho de contratar afro-portugueses ou africanos, então eu tenho más políticas de recursos humanos", concluiu.