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Pagar para ler ou ler sem pagar

Moral da história, todos temos pecados, o difícil é ter a humildade de reconhecê-los!

Apetecia-me sinceramente, acrescentar ao título … “eis a questão”…!

Reconheço que até encaixava e seria uma forma de homenagear William Shakespeare, que foi um poeta, dramaturgo e actor inglês, tido como o maior escritor do idioma inglês e para alguns, considerado o mais influente dramaturgo do mundo.

Mas, eis que o bom senso prevaleceu e baixei à terra, - Quem sou eu para homenagear tal vulto? Que raio de “cagança” é essa? Lembrei-me do nosso Presidente da República que no seu afã de se meter em tudo e aparecer, agora quer condecorar Volodymyr Zelensky, que coitado do Homem já tinha os russos “à perna”, só lhe faltava esta “baregenta”…

É tudo uma questão, de cada um saber ocupar o seu lugar, essa a verdadeira questão!

Comecei a trabalhar com 17 anos na Companhia dos Carros de S. Gonçalo, que era uma empresa do meu Avô materno, logo o meu primeiro patrão; inicialmente, a minha primeira função era num recanto da Estação, onde recebia as receitas dos chamados bilheteiros. Passados alguns meses, quando acharam que tinha “condições” para passar para o escritório, passei a fazer o livro dos salários. Mais tarde, passei a ajudar no pagamento dos mesmos, metendo o dinheiro nos envelopes, individualmente “em notas e em moedas”, até ao último tostão, não era o tempo, ainda, dos cheques ou transferências para a conta. O salário era sagrado, era pago em dinheiro e dele dependia a vida daquelas pessoas e das suas Famílias, a que correspondia cada um daqueles nomes impresso, nos respectivos sobrescritos. E eu, sentia, vivia e respeitava isso.

Os tempos eram outros, o negócio do transporte ainda que privado, encontrava-se regulado e as tarifas muito apertadas, o Governo de então, para aumentar uns tostões, era o cabo dos trabalhos e quando era necessário, lá avançava uma livrança, devidamente avalizada pelo patrão, para que não faltasse nada a quem trabalhava. Coisas do antigamente…!

Actualmente, o grosso do chamado transporte colectivo de passageiros está nacionalizado ou no caso da Madeira regionalizado; o custo dos bilhetes que os utentes pagam é o chamado custo social, o real, que é superior, é pago ás empresas para poderem existir, pelo Governo, na forma das chamadas indemnizações compensatórias, que no fim do dia, somos nós que pagamos com os nossos impostos, sejam os que andam de autocarro, no carro próprio ou mesmo os que andam a pé…

O rigor e compromisso com a remuneração do trabalho, vulgo salário, é desde cedo e pelas razões descritas atrás, algo a que sou muito sensível e inflexível, pois desde aí, percebi a importância decisiva, na vida das pessoas. Mais tarde e como entidade patronal (confesso que não me revejo muito na designação), tive muitas noites mal dormidas, dando voltas na cama e à cabeça, pensando e “inventando” formas de encontrar o dinheiro, para o poder fazer. Felizmente, e durante décadas nunca falhou.

Mas, depois desta introdução, vamos ao porquê do título “Pagar para ler ou ler sem pagar”…

Vivi durante muitos anos entre Santa Cruz e o Santo da Serra; por essa razão e como cliente, frequentava assiduamente, a tabacaria do Aeroporto, para me abastecer dos jornais e revistas que faziam parte do meu dia a dia, estávamos no tempo da leitura em papel. Frequentemente ao procurar nas prateleiras a “mercadoria” que me interessava, encontrava a folhear e muitas vezes a ler, uma figura exótica, revolucionária e quixotesca da zona leste, que abusivamente lia antes de mim, sem pagar, aquilo que eu para poder ler, por todas as razões, obviamente tinha de pagar.

Algumas vezes, as funcionárias no momento do pagamento, faziam-me um sinal de desaprovação e enfado, mas, atendendo à “figuraça” não diziam nada. O “conhecimento” e a “familiaridade” que o se rever anos, rotineiramente, permite, deu azo e que por mais do que uma vez, me dissessem, como que se justificando e quando “aquele freguês” não estava presente… Se todos os clientes procedessem desta forma, não sei como é que o patrão poderia pagar o meu ordenado…!

Metia-me no carro e a caminho de casa pensava cá para mim e para os meus botões; o patrão paga para as trabalhadoras poderem ter salário, enquanto que, alguém que encarna e se arroga da extrema esquerda, mais tarde esquerda, aproveita-se da situação sem pensar nos que trabalham, porque precisam de ganhar a vida. Que grande ironia…! Que raio de coerência…!

A referência à extrema-esquerda e esquerda, no caso, é meramente identificativa e apenas factual; a situação é mais do foro da correcção e da decência e estas encontram-se, felizmente, em todas as direcções da esquerda à direita e em todas as geografias e raças, bem como em todos os extractos sociais sejam ricos ou pobres, sendo o seu inverso também verdadeiro.

Passaram-se os anos, e hoje, vivemos um tempo novo, de enlevo e endeusamento e eu católico e praticante, sempre na mesma religião, pese os altos e baixos que os seus dignatários lhe provocaram e provocam, sorrio e aplicando o que aprendi na catequese, penso, e lembro aos que endeusam e a quem é endeusado, a frase do Senhor: - PAI PERDOA-LHES PORQUE NÃO SABEM O QUE FAZEM ...!

Mas, nesta fase da vida, caio em mim e lembro-me de Jesus Cristo na Sua divina Paz e Sabedoria, quando perante aqueles que condenavam aquela mulher, que havia praticado adultério, pronuncia a frase: - AQUELE QUE NÃO TIVER PECADO ATIRE A PRIMEIRA PEDRA…

E afinal, lembro-me também, dos meus pecados e vejo um mundo melhor!

Moral da história, todos temos pecados, o difícil é ter a humildade de reconhecê-los!

P.S. - António Costa com o ar pomposo e simultaneamente barato e rasteiro que o caracteriza, disse na Assembleia da República: -… “Que tem pena de não falar com sotaque brasileiro…” acrescentaria, que também eu tenho muita e que, já agora e ainda, que ninguém lhe tenha ensinado que há momentos que idealmente é melhor ficar de boca fechada, pois senão - “ou entra mosca ou sai asneira” …mas, por amor de Deus, que o homenzinho nunca aprenda o sotaque madeirense…, isso, para mim e para quem ainda tem vergonha na cara, verdadeiramente, seria um grande incómodo e constrangimento!