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Museu do Romantismo, mais uma obra desnecessária?

A Madeira teve nos últimos tempos como modelo de inspiração a Playa del Inglês, depois foi Singapura, agora o Dubai

Jane Wallas Penfold passou alguns anos da sua vida a desenhar as flores do jardim da Quinta da Achada. Madeira Flowers, Fruits, and Ferns, era o título do álbum no qual, em 1845, os desenhos foram publicados. A edição incluía um poema de Wordsworth – figura cimeira do romantismo inglês – com uma dedicatória: "to a lady in answer to a request that I would write her a poem upon some drawings that she had made of flowers in the island of Madeira". O poeta deixara-se seduzir pela beleza das aguarelas, pela beleza das flores que desconhecia, ou talvez, quem sabe, pela beleza de Jane...

"FAIR Lady! can I sing of flowers
That in Madeira bloom and fade,..."

Esperar que a Salvia Splendens floresça na sua haste, que a aguarela seque, que os ventos levem o navio a bom porto, que a carta chegue às mãos de Wordsworth... Apesar da distância esta gente vivia irmanada pelo amor à natureza e às coisas belas. Para muitos de nós, habituados à comunicação instantânea e às redes sociais, esta lentidão é hoje incompreensível e deliciosa. Temos desse tempo em que parece ter havido tempo para tudo – ler, escrever, desenhar, contemplar a paisagem – uma ideia turva que finalmente ganhará nitidez no futuro Museu do Romantismo a ser instalado na Quinta do Monte.

Na Madeira, a existência de um museu dedicado ao tema é absolutamente necessária e a escolha da quinta, perfeita – que outra traduziria melhor a presença do Romantismo britânico na arquitectura e na paisagem insulares? Está, pois, criada a oportunidade de a Ilha se reencontrar com o século em que, como escreveu Agustina Bessa Luís, a doença pulmonar "efectuou um verdadeiro registo da identidade madeirense", projectando-a no mundo, e em que o jardim se reinventou "como forma de cura". Cura de ares e cura de paixões – esse quadro difuso em que sintomas e sentimentos se confundiam – porque na quinta oitocentista o jardim foi tanto dispositivo de tratamento quanto manifestação da alma romântica.

A Madeira teve nos últimos tempos como modelo de inspiração a Playa del Inglês, depois foi Singapura, agora o Dubai. Chegou a hora de superar a parolice e procurar no passado singular que a projectou no mundo os temas que a diferenciam da banalidade distópica daqueles lugares. Quando o Porto encerra o seu Museu Romântico, instalado na belíssima Quinta da Macieirinha, para o dedicar às "artes performativas" – que caberiam melhor num armazém da Trofa – a Madeira prepara-se para abrir o seu Museu do Romantismo na belíssima Quinta do Monte. Eis o exemplo de "uma obra necessária" cujo retorno será sempre incalculável.