Análise

O direito à recusa

Num país de acomodados quem se atreve a destoar é logo acusado do pior

A semana foi fértil em insubordinações, actos de rebelião de contornos distintos, mas que espelham estados de alma decorrentes de desleixos intoleráveis, de decisões insensatas e de fundamentalismos dispensáveis. O inconformismo de uns, a firmeza política de outros e a paixão clubística de muitos fizeram o resto, comprovando que Portugal está a colher o que - e bem! - semeou. Os rebeldes deste País apenas cumprem com o desígnio traçado pelos mais altos magistrados da Nação. Não foi Marcelo Rebelo de Sousa que na Mensagem de Ano Novo nos segredou que 2023 “tem de ser um ano ganho”, “tempo de voltar a sonhar”, que “já basta o que não depende de nós para nos preocupar ou amargurar”, incentivando a que “não desperdicemos o que só de nós depende”?

Não foi Cavaco Silva que em Março de 2011 constatou que “a nossa sociedade não pode continuar adormecida perante os desafios que o futuro lhe coloca”, recomendando “um sobressalto cívico” que faça “despertar os Portugueses para a necessidade de uma sociedade civil forte, dinâmica e, sobretudo, mais autónoma perante os poderes públicos”?

Não somos herdeiros das causas deixadas por Almada Negreiros, em Dezembro de 1917 no ‘Ultimatum futurista’: “Resolvei em pátria portuguesa o genial optimismo das vossas juventudes. Dispensai os velhos que vos aconselham para o vosso bem e atirai-vos independentes prà sublime brutalidade da vida. Criai a vossa experiência e sereis os maiores”?

Sonhar é ter desígnios, bandeiras e grandes causas. Aliás, é tamanha empreitada que esperamos do País e da Região e daqueles que, em cada lugar, nos governam, nos elucidam e nos agigantam.

Nas diversas recusas mediáticas da semana há motivações por parte de quem não se acomoda e cruza os braços que importa atender e perceber. Entre outros momentos de alegada desobediência, não despir a camisola encarnada para entrar nos Barreiros, não embarcar no condicionado e inseguro ‘NRP Mondego’, não aceitar as medidas restritivas do ‘Mais Habitação’ que lesam as especificidades regionais, não manter cargos que atentam contra princípios e não tolerar métodos para afastar os gatos errantes da Freira da Madeira são opções legítimas, mesmo com consequências associadas, nalguns casos com moldura penal, mas sem ignorar que vivemos num Estado de direito democrático. Mais do que facilmente etiquetáveis com os rótulos mais desprestigiantes da sociedade intolerante, os milhares de benfiquistas que exibiram a sua satisfação em casa alheia, os 13 militares que alegaram falta de condições para cumprir uma missão importante, os políticos madeirenses que batem o pé à República e até o Provedor do Animal que se queixa do governo que o nomeou devem ter razões que sustentam o direito à indignação.

As realidades são distintas e não comparáveis, mas em todos os processos em curso, a que se juntam sempre instigadores e teorias da conspiração, convém não esquecer que devemos ouvir as partes implicadas antes de qualquer julgamento, sem descurar a presunção da inocência.