Fact Check Madeira

Utilizar as microalgas marinhas do Porto Santo nas áreas alimentar e cosmética constitui um redireccionamento do negócio?

Há mais de dez anos que é sabido que a produção de biocombustível não traria retorno ao investimento

A Empresa de Electricidade redirecciona, agora, a produção de microalgas para as áreas cosmética e alimentar.
inauguração/visita em Setembro de 2018.
inauguração/visita em Setembro de 2018.

A unidade de produção de microalgas marinhas, da EEM Biotecnologia (empresa do grupo da EEM – Empresa de Electricidade da Madeira - anteriormente designada de EEM & BFS) está agora a produzir “microalgas marinhas para serem posteriormente utilizadas no desenvolvimento e produção de produtos de elevado valor acrescentado para a nutrição humana, animal e cosmética”. A informação consta de um anúncio de recrutamento da A4F (Algae for Future) e foi reproduzida numa notícia, da última quinta-feira, do JM. A EEM apresenta o redireccionamento do projecto para as áreas alimentar e cosmética como uma novidade de agora. Mas será mesmo assim?

Há mais de dez anos que se sabe que o objectivo inicial, produzir biocombustível, a partir das microalgas marinhas, suficiente para a produção de toda a energia eléctrica do Porto Santo não era alcançável. Prova disse mesmo são as declarações do parceiro inicial, a espanhola BFS, que, ao DIÁRIO, em 2012, afirmava: “O projecto, quando no início, no ano de 2008, é um projecto com uma tecnologia que não estava madura. Mas neste momento, sim, está madura. Totalmente madura, a tecnologia BFS.”

“A biomassa que se obtém na nossa fábrica é susceptível de ser uma parte para gerar energia e outra parte, pequena, entre 15 a 20% aproximadamente, tem um altíssimo valor acrescentado, essa biomassa, como elementos nutricionais. Esse valor tão alto compensa o excesso de custo do resto da biomassa necessária para produzir energia. Assim, se a biomassa for usada apenas para produzir energia terá um custo muito elevado. Mas com esses 15 a 20%, que nós usamos para produtos alimentares, farmacológicos, compensa sobremaneira e pode ser perfeitamente autónoma a fábrica. Autónoma a ilha. Poderia ser.”

Mais à frente, o mesmo responsável pela BFS garantia: “Temos já acordos com grandes empresas de alimentação e farmacêuticas, que estão interessantíssimas nos nossos produtos. Para nós seria importante poder trazê-las ao Porto Santo. Se tudo se tivesse desenvolvido como previsto, essa menos produção para petróleo compensava e rentabilizava. Em quatro anos estaria o investimento mais do que amortizado. Quatro a cinco anos. Desta maneira não se sabe o que está a acontecer, o prejuízo que está a ser provocado. Para nós é uma pena.”

O dirigente da BFS referia-se à ruptura entre a BFS, de um lado, e a EEM/Buggypower (ex-parceita da BFS) por outro. Essa divergência acabou em tribunal e com o afastamento do projecto da BFS.

No entanto, como se pode verificar, já em 2012, o parceiro inicial do projecto (BFS), que detinha 60% do capital da EEM&BFS (a EEM os outros 40%) havia concluído que o projcto não era viável sem a exploração das vertentes alimentar e cosmética.

A essa mesma conclusão chegaram a EEM e a Buggypower alguns anos depois, entre 2014 e 2015. Sensivelmente nessa altura, o projecto foi redireccionado para as duas referidas áreas. Ainda assim, o Revisor Oficial de Contas sempre apontou a imprevisibilidade do retorno do projecto, que para a EEM já custou muito mais do que os 45 milhões de euros que vêm a ser publicamente referidos, uma das fortes razões para que a aprovação das contas da empresa-mãe (EEM) tenha sido sempre com reservas.

O último parecer disponível no sítio da Internet da empresa (incluído do Relatório e Contas), relativo a 2021, dizia que à data do fecho (Abril de 2022), estava em curso um novo estudo para a viabilização da fábrica. "A Sociedade EEM-Biotecnologia, S.A. celebrou um contrato de exploração da Unidade de Produção de Biomassa com uma entidade terceira, por um período de 3 anos, entre 2019 e 2021, tendo a actividade da empresa sido significativamente afectada pelas medidas de contenção da pandemia. Em virtude da alteração das circunstâncias em que se baseou a celebração do contrato, encontra-se já em curso um novo estudo de viabilidade económica, com o objetivo de encontrar o melhor modelo de exploração da fábrica. Até que esteja terminado o estudo, foi celebrado um aditamento de 6 meses ao contrato de exploração 2019/2021.”

É, por isso, de deduzir que o caminho agora divulgado pela EEM, de apostar na alimentação e na cosmética, tenha sido influenciado pelo estudo. No entanto, essa não é uma conclusão nova.

Em Março de 2017, o DIÁRIO noticiava: ‘Microalgas do Porto Santo na ementa oficial’. Então escreveu-se: “As microalgas marinhas da Ilha do Porto Santo integraram a ementa da cerimónia oficial de apresentação da Fundação Oceano Azul (FOA), evento que decorreu, na semana passada, no Convento do Beato, em Lisboa, contando com a presença de várias entidades, entre as quais o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.”

No evento estiveram o então presidente da EEM, Rui Rebelo, e Pedro Escudero da Buggypower.

No ano seguinte, 2018, a EEM organizou o que pretendeu ser uma inauguração da fábrica e a que o Governo Regional chamou de visita.

No final dessa visita/inauguração, foi apresentado um conjunto de produtos alimentares e farmacêuticos alegadamente desenvolvidos pela empresa, que tinha o objectivo de os introduzir no mercado internacional. Ao que afirmaram os responsáveis da Buggypower e da EMM, eram “produtos de primeira linha, com elevado valor e com muita procura.”

Nessa altura, Rui Rebelo estimou que, em 15 anos, os 45 milhões de euros investidos (montante então admitido) teriam retornado à origem (EEM).

Assim, é falso que a EEM redireccione agora a produção de microalgas marinhas, do Porto Santo, para a área alimentar e cosmética. Esse redireccionamento e assumpção da mudança aconteceram a partir de sensivelmente 2015 e a necessidade de o fazer já era conhecida havia vários anos.