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Trump desviou documentos sobre a sua administração e os historiadores estão preocupados

Foto Evan El-Amin/Shutterstock.com
Foto Evan El-Amin/Shutterstock.com

Enquanto foi presidente, Donald Trump nunca gostou de deixar um rasto de papel, evitando emails, repreendendo funcionários se tirassem notas em reuniões e rasgando documentos quando já não precisava deles, uma falta de transparência que preocupa arquivistas e historiadores.

Quando Trump deixou a Casa Branca, no entanto, mostrou-se relutante em deixar para trás alguns registos da sua administração, desviando-os para o seu resort de golfe em Mar-a-Lago, na Florida.

Ainda que mais de uma dezena de caixas tenham sido, entretanto, devolvidas ao Governo, a descoberta alarmou arquivistas e historiadores, que já eram céticos em relação ao compromisso de Donald Trump para com a transparência.

Para eles, o episódio não é só uma história sobre uma pandilha presidencial ou um sistema de arquivo desleixado, mas um exemplo de como fragmentos da história dos EUA estão em risco de se perder. Destruir ou esconder documentos, disseram, pode impedir futuras gerações de compreender como foram tomadas decisões importantes.

"A minha primeira reação foram palavras que provavelmente não está autorizado a reproduzir", disse Lindsay Chervinsky, uma historiadora presidencial, citada pela AP.

Os académicos confiam em registos oficiais para traçar um retrato completo de cada administração e Chervinsky disse que as revelações sobre os documentos em Mar-a-Lago foram um lembrete de "quão frágil o processo pode ser se as pessoas não seguirem as regras".

O Decreto dos Registos Presidenciais, que exige a preservação de documentos da Casa Branca, foi aprovado em 1978, após o escândalo de Watergate, quando um conjunto de gravações secretas desempenharam um papel fundamental. Ainda que o então presidente Richard Nixon tenha considerado destruí-las, as gravações acabaram por ser descobertas, revelando que Nixon tentou encobrir o assalto ao Comité Nacional Democrata, episódio que terminou com a sua resignação, para evitar a destituição do cargo.

Parece impossível de acreditar que ainda haja algo para saber sobre a presidência de Donald Trump, alvo de muito escrutínio da imprensa e livros em número suficiente para uma pequena biblioteca, mas os registos oficiais ainda se podem provar reveladores quando se tornarem públicos, depois de passarem o crivo dos Arquivos Nacionais, o que pode levar anos.

"Os livros de História é onde efetivamente se prestam contas. Se não tivermos a história completa, não é um sistema que preste contas. E o cerne da democracia está na prestação de contas dos seus líderes ao povo", disse Chervinsky.

O comportamento errático de Trump em relação a documentos pode ter mais efeitos imediatos que o eventual julgamento dos historiadores, uma vez que o comité do Congresso que investiga os ataques de 06 de janeiro de 2021 ao Capitólio está a examinar as ações do ex-presidente nesse dia, tendo encontrado falhas nos registos oficiais, nomeadamente no registo de chamadas telefónicas.

Também podem estar em causa complicações legais se se provar que Trump e os seus colaboradores manusearam documentos de forma incorreta, especialmente se forem documentos classificados.

Os presidentes podem desclassificar documentos, mas essa permissão termina assim que cessam funções.

Esconder ou destruir registos é um crime com uma possível pena de três anos de prisão, guardar informação classificada em local não autorizado pode levar a uma sentença de até cinco anos de prisão.

Sandy Berger, antigo conselheiro de segurança nacional do presidente Bill Clinton, retirou documentos classificados dos Arquivos Nacionais em 2003, alegando que seria para preparar o testemunho perante a comissão do 11 de setembro, e que provariam falhas nos serviços de inteligência nos anos anteriores ao ataque terrorista.

Por se ter declarado culpado evitou uma pena de prisão, pagando uma multa de 50 mil dólares.

Os Arquivos Nacionais já receberam ordem para detalhar os registos recuperados de Mar-a-Lago.

Trump sugeriu numa declaração que não havia nada nefasto em relação às caixas que transferiu para o resort na Florida, dizendo que foi "uma grande honra" trabalhar com os Arquivos Nacionais "para ajudar formalmente a preservar o legado Trump".

Nunca antes um chefe de Estado americano foi castigado por violar o Decreto dos Registos Presidenciais.