Madeira

Estado Novo comprou Ilhas Selvagens há meio século com medo dos submarinos soviéticos

No Canal Memória de hoje reveja o que foi notícia a 20 de Julho de 1971

Foto Arquivo DN
Foto Arquivo DN

Há precisamente 50 anos, o DIÁRIO dava a notícia de que o Governo português tinha adquirido as Ilhas Selvagens. A notícia, que teve destaque de primeira página e descrevia a riqueza natural do território mais a sul de Portugal, explicava que “por escritura pública outorgada em 17 de Julho de 1971 foi adquirida para a Fazenda Pública ao excelentíssimo senhor Luís da Rocha Machado a propriedade rústica, constituída pelas ilhas e ilhéus, designada por «Ilhas Selvagens»”.

O artigo referia que, após a descoberta da Madeira, as ilhas Selvagens passaram a ser propriedade da Ordem de Cristo e que mais tarde foram incorporadas nos bens da coroa portuguesa, que “por sua vez as concedia a particulares”. “No séc. XVI, pertenciam a uma família madeirense do título Calados, e daí por diante aos seus descendentes, até que em 1904 foram vendidas ao sr. Luís da Rocha Machado”, lê-se no texto de há meio século, que, no entanto, era omisso quanto aos motivos que levaram à decisão de compra pelo Estado Novo.

Uma reportagem da jornalista Filipa Lino, publicada em Março de 2017 pelo jornal Negócios, aborda as razões da aquisição. Cita o livro do economista madeirense João Abel de Freitas ‘Salazar na crise da banca madeirense: uma teia de muitos nós’ para descrever que o dono da Casa Bancária Rocha Machado & C.ª pagou “8 contos a um dos membros da família Cabral Noronha”, proprietária das ilhas desde 1560, “que estava em situação económica difícil por dívidas de jogo”. Após a morte do banqueiro, as ilhas foram herdadas pelo filho, que tinha o mesmo nome do pai, que alugou a propriedade a caçadores de cagarras. As colónias desta espécie de ave migratória foram dizimadas durante décadas.

Em 1968, Paul Alexander Zino, um apaixonado pela ornitologia, decidiu intervir e tornou-se arrendatário por três anos das Ilhas Selvagens. A sua ideia era criar uma espécie de reserva natural, onde era proibido caçar as cagarras. O contrato vigorou até 1971, altura em que Luís da Rocha Machado colocou as ilhas à venda. Zino não tinha capacidade financeira para fazer negócio, mas convenceu o fundo ambientalista World Wildlife Fund (WWF) a avançar com o investimento. A 12 de Março de 1971 foi assinado o contrato promessa de compra e venda. "Era um bom contrato. Eles [WWF] pagavam, mas entregavam a manutenção ao Estado português. O Estado não gastava um tostão", revelou Francis Zino, filho de Paul Alexander. O valor de venda acordado era de 150 mil francos suíços.

O negócio, contudo, não foi concretizado, porque o Governo da República, chefiado então por Marcelo Caetano, exerceu o direito de preferência. A 17 de Julho de 1971, o Estado português comprou as Selvagens por um milhão de escudos, o que a valores de hoje corresponde a cerca de 260 mil euros. Em 29 de Outubro de 1971 é publicado um decreto que atribui o estatuto de reserva àquelas ilhas.

Na citada reportagem do jornal Negócios, Francis Zino dá outra justificação para a decisão do Governo da República para a compra do subarquipélago em 1971: “O Diário de Lisboa começou a dizer que o pai [Paul Alexander] estava a fazer um negócio com os russos para fazer uma base de submarinos nas Selvagens”. Com medo do avanço soviético em plena ‘guerra fria’, o Estado Novo decidiu agir e antecipou-se no negócio.

Mais próximas das Canárias do que da Madeira, as ilhas Selvagens têm sido cobiçadas por Espanha nas últimas décadas. Tanto que o Estado Português tem vincado, de diversas formas, a sua soberania sobre aquele território. Por exemplo, os últimos quatro Presidentes da República efectuaram visitas ao local: Mário Soares em 1991, Jorge Sampaio em 2003, Cavaco Silva em 2013 e Marcelo Rebelo de Sousa em 2016.

Para saber mais sobre as notícias de há 50 anos, consulte a edição do DIÁRIO do dia 20 de Julho de 1971 através do portal da Direcção Regional do Arquivo e Biblioteca da Madeira através deste link.